ANA LUIZA ALBUQUERQUE
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Isso aqui vira um corte”, sublinhou o influenciador Pablo Marçal (PRTB) antes de responder à pergunta do entrevistador. “Minha cabeça pensou ‘vrum’: alerta de corte, arrebenta.”
O empresário parece estar sempre atento para render para o próximo corte –vídeos curtos que prendem a atenção e que rapidamente viralizam nas redes, nos quais ele geralmente aparece com alguma fala polêmica ou inusitada.
Com mais de 12 milhões de seguidores no Instagram, Marçal coloca seus seguidores para trabalhar para ele. O autodenominado ex-coach estimula competições e premia com valores em dinheiro os criadores dos cortes com maior engajamento.
A estrutura, herdada do seu império digital, já entrou na mira dos adversários pela Prefeitura de São Paulo, que afirmam que a prática implica abuso de poder econômico. Nas últimas semanas, a deputada Tabata Amaral (PSB) encaminhou uma representação ao Ministério Público Eleitoral pedindo a abertura de um inquérito contra o influenciador.
Marçal costuma falar sobre si mesmo nos moldes da jornada do herói: filho de mãe faxineira e pai funcionário público, foi trabalhador de call center até que começou a empreender e se envolver com eventos, criando seu próprio negócio digital e enriquecendo. À Justiça Eleitoral declarou patrimônio de mais de R$ 193 milhões.
O empresário se tornou uma das maiores referências no ramo do infoproduto, ou seja, um tipo de produto que é vendido no formato digital, com alguma informação ou conhecimento específico. No caso de Marçal, ele vende seus cursos e mentorias, com pitadas de auto-ajuda, que vão de R$ 20 mil a R$ 250 mil.
O influenciador agora replica as técnicas que o ajudaram a construir seu império na campanha política pela prefeitura, chamando a atenção pelas bravatas, polêmicas, factoides, ataques e propostas inusitadas.
Professor de comunicação política na FESPSP, Beto Vasques afirma que Marçal levou o uso das ferramentas digitais a outro nível.
“Algumas campanhas, sobretudo do MBL, de setores do bolsonarismo e a própria campanha do João Doria foram exemplos de adequação das ferramentas do marketing digital e do lançamento de infoprodutos para a política”, diz. “Marçal leva isso a uma segunda geração, a um novo patamar.”
No início do ano, antes de anunciar a pré-candidatura, o empresário virou motivo de chacota na internet com a viralização de cortes de suas palestras –como um em que ensina a dar um soco em um tubarão. Alguns lamentariam a publicidade negativa, mas não Marçal.
“É o negócio que eu te falei: invada o cérebro e depois discuta a escritura”, disse o influenciador em entrevista ao canal do Youtube AchismosTV. A estratégia do empresário é chegar a qualquer custo ao maior número de pessoas possível, para depois tentar fidelizar o novo público.
“Esse negócio do corte me beneficiou muito porque tenho gastado cada vez menos dinheiro com tráfego pago. Eu aprendi a jogar desse jeito, infelizmente tenho que parecer tosco. Mas no final das contas as pessoas começam a te ver e [pensam]: esse cara é de verdade.”
Na mesma entrevista, Marçal diz que “o brasileiro tem dificuldade de cuidar da própria vida”. “Você tem uma mensagem séria, as pessoas não vão compartilhar. Tem sempre que ter uma polêmica.”
Empresário, influenciador e especialista em marketing digital, Samuel Pereira diz que Marçal é um dos maiores nomes que entende “o jogo da atenção” e que isso tem feito ele crescer de uma forma desproporcional nas redes sociais em comparação com os demais pré-candidatos.
“Pablo sempre está postando nesta linha, sempre contra intuitivo, ou começa os seus vídeos surpreendendo o espectador nos primeiros segundos. Isso faz com que seus conteúdos retenham mais atenção e que o algoritmo entenda como mais relevante”, afirma.
Na política, essa estratégia se reflete em ataques agressivos contra seus adversários, como na noite de quinta-feira (8), no debate da Band, quando chamou Tabata de adolescente, disse que ela parecia uma “jornalistazinha militante” e afirmou que ela era um “para-raio de comunista”. A deputada já havia entrado na sua mira anteriormente, quando Marçal disse que ela teve responsabilidade sobre a morte do pai, que era dependente químico e se suicidou.
A outra face da estratégia pela captura da atenção é a manutenção constante do suspense, envolvendo uma informação reservada que só ele tem e que pode trazer à tona ou não. É por isso que Marçal afirma que ofereceram milhões de reais para que ele desista da campanha, mas não revela quem; diz que o União Brasil quer sua alma para apoiá-lo, mas nunca mostra o que o partido de fato pediu em troca; ou quando afirma, sem qualquer comprovação, que dois adversários são usuários de cocaína e que provará a acusação no momento certo.
“Isso é o método específico do Marçal, que eu chamo de PTE: polêmica, treta e entretenimento”, afirma o professor Beto Vasques. “É uma tática pensada para disputar a disponibilidade mental das pessoas em um mundo da economia da atenção, onde todos estão sendo bombardeados por milhões de estímulos o tempo todo.”
Ele diz que o principal objetivo do empresário é chocar para pescar novos seguidores. “A pessoa chega nele o vendo fazer papel de bobo. Mas fisgou. Aí ele vai entrar com os gatilhos emocionais, com conteúdos mais razoáveis. Vai reconstruir a imagem dele na cabeça da pessoa”, afirma.
Sem outros partidos na coligação ou acordos para cumprir, o influenciador tem menos amarras do que outros pré-candidatos. Mesmo que não saia vitorioso, a corrida eleitoral em si é uma oportunidade para o empresário se tornar ainda mais conhecido e expandir o número de clientes.
O influenciador Samuel Pereira cita dados da plataforma SocialBlade para falar sobre o crescimento acelerado de Marçal nas redes sociais nos últimos quatro meses. Ele afirma que o pré-candidato obteve mais de 4.557.587 seguidores, enquanto Ricardo Nunes conseguiu 151.407 e, Guilherme Boulos, 25.678.
Além das polêmicas e da estrutura para gerar cortes, Marçal exportou ainda outras táticas dos negócios para a pré-campanha. Uma delas é o uso de copy, textos persuasivos com o objetivo de convencer o interlocutor, permeado por gatilhos emocionais. O empresário tem intimidade com o termo -em sua participação no canal do AchismosTV, disse que já entregou um copy para ajudar o ex-presidente Jair Bolsonaro, com quem gravou uma live em 2022.
Um exemplo da aplicação de um copy na sua pré-campanha apareceu no debate da Band: “Eu sou o candidato mais próspero aqui. Já paguei mais impostos do que tudo que vocês já geraram de riqueza na vida juntos. Eu de fato posso colocar toda a minha disposição, já resetei esse jogo da vida, construí o que eu quis, saí da periferia. Eu quero que até você que está aí na periferia mais pobre (…) saiba que você, seu filho, vai prosperar”.
Outra prática que tem sido replicada é o uso de termos específicos, que criam uma linguagem compartilhada entre seus seguidores, gerando sensação de pertencimento ao grupo. Por isso, ouve-se Marçal utilizar palavras-chave como “prosperar”, “destravar”, “pegar o código”. “Essas frases são todas intencionais, para ser lembrado e ficar no inconsciente coletivo”, afirmou o empresário em entrevista ao canal AchismosTV.
Vasques também cita a recorrência das promessas como uma tática transplantada da venda dos infoprodutos. “Sempre tem uma promessa, a princípio mirabolante, mas com garantia ou com um testemunho de fé. ‘Faça meu curso e aprenda inglês em seis meses. Se não aprender, eu devolvo o dinheiro.'”, diz.
No caso de Marçal, isso se traduz em promessas ou propostas exageradas ou fora do comum, como quando ele diz que “vai levar São Paulo para 2050”. Ao mesmo tempo, para passar confiança, afirma que parou com tudo na vida, que vai deixar de ganhar dinheiro, mas que quer servir ao povo.
O professor defende ainda a hipótese de que o influenciador montou uma semana de lançamento para o debate na Band, da mesma forma que faz com qualquer um de seus infoprodutos. Sob essa perspectiva, a convenção que confirmou sua pré-candidatura abriu a semana, com a afirmação de que dois adversários são usuários de cocaína -tema que pautou o debate nas redes ao longo dos dias posteriores, até culminar no debate televisivo.
“A grande diferença para a geração anterior é que havia gente da política que pegou técnicas do infoproduto e usou algumas na campanha. Pontualmente foram construindo isso, como a academia MBL, que vai criando uma identidade coletiva”, afirma Vasques. “O Marçal não é da política. Ele é possivelmente o maior lançador de infoproduto do Brasil. Ele não está adaptando essas técnicas, está fazendo algo que a gente nunca tinha visto: uma infocampanha.”