O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria ontem para reconhecer que o Ministério Público também pode abrir e conduzir investigações criminais. Os Procedimentos de Investigação Criminal (PICs) do MP, conforme o entendimento, deverão seguir os mesmos prazos e parâmetros dos inquéritos policiais. O posicionamento da maioria da Corte colide com pretensões de policiais civis e federais, que frequentemente rivalizam com promotores e procuradores e se veem “atropelados” por eles.
A recente crise entre delegados e membros do Ministério Público de São Paulo em torno da Operação Fim da Linha, que tem como alvo integrantes da facção Primeiro Comando da Capital, o PCC, ilustra como o tema divide os órgãos de investigação.
Os ministros ainda vão definir a tese na retomada do julgamento, marcada para o dia 2 de maio, mas já houve consenso em torno de algumas premissas. Uma delas é a de que o Ministério Público precisa comunicar imediatamente ao Poder Judiciário quando instaurar – ou encerrar – uma investigação. As prorrogações também dependerão de justificativa fundamentada e autorização judicial.
Há uma preocupação no STF com a supervisão desses procedimentos, daí a obrigatoriedade do registro das investigações, para viabilizar o controle judicial. Esse é um ponto que já havia sido pacificado no julgamento que tornou obrigatória a implementação do juiz de garantias. “Não há dever que não se submeta ao legítimo escrutínio e controle do Poder Judiciário”, defendeu o ministro Edson Fachin, relator de um conjunto de ações sobre o tema.
Outro objetivo dos registros junto do Judiciário é evitar que investigações sobre o mesmo caso tramitem simultaneamente a cargo de magistrados diferentes, o que poderia levar a decisões conflitantes. Dessa forma, o juiz que receber a primeira investigação, seja da Polícia ou do Ministério Público, terá prevenção para acompanhar outros procedimentos que eventualmente venham a ser instaurados.
EQUIPARAÇÃO.
Na prática, o plenário do STF caminha para equiparar as investigações do Ministério Público aos inquéritos policiais. Os ministros concordaram, por exemplo, que os prazos previstos no Código Penal também devem ser observados pelos promotores e procuradores em seus PICs e que eles podem requisitar perícias técnicas.
Também reconheceram que cabe ao Ministério Público investigar suspeitas de envolvimento de agentes dos órgãos de Segurança Pública em infrações ou episódios de violência policial. O plenário ainda precisa definir se a abertura da investigação será compulsória ou se caberá ao membro do MP fazer uma análise preliminar para verificar se há elementos mínimos que justifiquem a apuração.
AÇÕES
A primeira ação sobre o tema chegou ao STF em 2003, por iniciativa do Partido Liberal (PL), e abriu o debate sobre o poder de polícia do MP. Fachin é o terceiro relator do processo, que passou antes pelas mãos dos ministros aposentados Carlos Velloso e Ricardo Lewandowski. O caso só foi liberado para julgamento em 2019, mas entrou na pauta apenas em dezembro de 2022, no plenário virtual. Um pedido de destaque do próprio relator transferiu a votação ao plenário físico.
Ao defender a constitucionalidade do poder de investigação do Ministério Público, o vice-procurador-geral da República, Hindemburgo Chateaubriand Filho, ressaltou que o trabalho conjunto com as polícias pode resolver pontos ligados a apurações sobre o mesmo tema, abertas por ambos os órgãos. Ele destacou que um suposto embate entre as instituições não pode servir de base para a discussão sobre a retirada da atribuição do MP para realizar investigações criminais.
O número 2 da PGR sustentou a rejeição de ações que contestam o poder investigatório do MP, movidas pelo PL e pela Associação dos Delegados de Polícia do Brasil.
MONOPÓLIO
Fachin abriu o julgamento, iniciado anteontem, reconhecendo a competência do Ministério Público para abrir e conduzir investigações criminais. “O monopólio de poderes é um convite ao abuso de poder”, afirmou. “A atribuição para investigação criminal pelo Ministério Público deflui de sua atribuição própria e imprescindível de zelar pelo respeito aos direitos fundamentais.”
O ministro também defendeu que, sempre que houver suspeita de envolvimento de agentes dos órgãos de Segurança Pública em infrações ou episódios de violência policial, o Ministério Público é o órgão competente para tocar a investigação e tem o dever de fazê-lo. “É uma atividade de controle externo a ser realizada pelo Ministério Público. Creio que isso contribui até mesmo para a atividade policial e o respeito aos direitos fundamentais.”
O ponto era considerado particularmente sensível para o ministro, que também é o relator no Supremo da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF ) das Favelas, que trata da letalidade policial no Rio.
O voto do relator foi construído a quatro mãos, em parceria com o decano Gilmar Mendes, que chegou a apresentar um posicionamento divergente no plenário virtual. O julgamento foi transferido para o plenário físico, o que fez com que o placar fosse zerado. Neste período intermediário, os ministros sentaram para chegar a um consenso. A votação será retomada na próxima semana.(COLABOROU PEPITA ORTEGA)
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