IGOR GIELOW (FOLHAPRESS) – Votar na eleição presidencial russa, que iniciou seu período de três dias nesta sexta (15), é um exercício rápido, fácil e com detalhes inusitados para o observador brasileiro. Há muito policiamento e não há polêmica sobre a modalidade de sufrágio: há cédulas em papel e urnas eletrônicas, ao gosto do cliente.
A reportagem acompanhou o voto de um russo na seção 1.228 de Moscou, localizada numa escola secundária na região periférica de Golianovo, cerca de 15 km a nordeste do centro da capital. Quando o eleitor chegou, às 10h (4h em Brasília), não havia ninguém na fila.
Havia, contudo, três policiais do lado de fora do local e outros três, dentro, duas delas envergando pesados coletes à prova de bala. Para entrar na escola, é preciso passar por um detector de metais e uma catraca -o limite estabelecido pelas fardadas à reportagem.
O eleitor se apresenta a um mesário com seu passaporte, que é o documento universal na Rússia. Ele checa no sistema se a pessoa está registrada naquela seção, o que pode ser tanto por critério de domicílio quanto por opção.
O aplicativo de celular que agrega todos os serviços governamentais oferece a possibilidade para que o eleitor vote em trânsito em qualquer ponto do país, desde que se registre. Ainda há a oferta de votação online, o que ocorre por meio de um link seguro.
O sistema, que funciona em teste em 27 das 83 regiões russas, apresentou lentidão nesta sexta. Segundo a Comissão Eleitoral Central, os eleitores foram dispostos em filas virtuais para tentar solucionar o problema.
Já na seção, uma vez identificado, o eleitor tem de depositar sua assinatura em um tablet, com uma caneta virtual. Aí, o mesário pergunta se ele prefere votar com cédulas ou na urna eletrônica que fica numa pequena cabine, o que faria alegria tanto de bolsonaristas quanto de opositores do bolsonarismo.
O voto impresso estava no cerne da campanha golpista do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) contra a idoneidade do sistema eleitoral eletrônico do Brasil, que é bastante único no mundo. Na Rússia, contudo, se por um lado é possível votar em papel, a urna eletrônica não emite recibo, uma das demandas clássicas dos bolsonaristas.
O eleitor acompanhado pela reportagem, que pediu para não se identificar e votava pela primeira vez, optou pela cédula. Ela tem o tamanho de uma folha A4 e contém, além de instruções de uso, o nome dos quatro candidatos com uma biografia, sem fotografias.
De cima para baixo, aparecem Vladislav Davankov (Novo Povo), Vladimir Putin (independente), Leonid Sluski (Partido Liberal Democrático da Rússia) e Nikolai Kharitonov (Partido Comunista). O nome do atual mandatário se destaca no grupo, por ter a mais sucinta biografia: diz que ele nasceu em 1952, mora em Moscou e é o presidente da Rússia.
Uma vez feita a marcação no quadrado ao lado do nome do candidato, o papel é depositado, sem precisar ser dobrado, numa caixa de plástico transparente. Se houver pessoas na fila, seu voto fica exposto para quem quiser ver na prática. O processo tomou três minutos. Neste caso, Putin ganhou um voto.
O forte policiamento foi visto em outras áreas de Moscou. Na rua Bolchaia Tagarskaia, na região central, dois quarteirões foram fechados com barreiras metálicas.
Havia ao menos 15 policiais fazendo um cordão de isolamento no ponto de votação, com detectores de metais instalados na rua. A mera menção de fazer uma fotografia era, por assim dizer, desencorajada pelos homens de farda.
Nas estações mais movimentadas de metrô, era visível a maior presença de policiais, alguns armados de forma ostensiva. Este afinal é um país em guerra: a Ucrânia segue focando na região de Belgorodo (sul russo), tendo tentado mais uma incursão de fronteira e lançado sete mísseis contra a capital homônima.
O Kremlin diz que o objetivo é atrapalhar o pleito, e o governador local teve de ir à TV para negar rumores de que a eleição seria suspensa. Vídeos em redes sociais mostraram uma explosão ocorrendo próxima de uma seção eleitoral, sem comprovação independente.
No mais, ao menos uma pessoa morreu em ataques na cidade, e os ucranianos também alvejaram uma pequena refinaria em Kaluga (180 km a sudoeste de Moscou). Já os russos atacaram diversos pontos do vizinho.
Mas há também o temor das autoridades de protestos contra Putin. Eles foram convocados pelos aliados do ativista Alexei Navalni, que morreu na cadeia aos 47 anos no mês passado. Eles querem que seus apoiadores compareçam às seções no domingo (17), dia final da votação, na mesma hora, o “Meio-Dia sem Putin”, como foi chamado. As filas seriam o sinal do descontentamento com o pleito.
Pelo sim, pelo não, a Promotoria de Moscou disse que está ciente do chamamento e que ele é ilegal, ameaçando com prisão de até cinco anos quem, nas suas palavras, interferir nas eleições. Resta saber como serão diferenciados eleitores e manifestantes pacíficos numa fila.
Ao longo do dia, começaram a surgir os tradicionais vídeos de protestos pontuais. Num deles, uma eleitora moscovita joga tinta dentro da urna, inutilizando os votos já depositados, e é detida.
Ninguém duvida de que o presidente está reeleito para mais seis anos, mas o Kremlin trabalha com uma meta ambiciosa de trazer números recordes neste pleito. O time do presidente vazou à imprensa buscar até 80% de votação e 70%, de comparecimento, números ainda melhores do que os do pleito de 2018.
Nas pesquisas, Putin tem até 75% de intenções de voto, enquanto os rivais não passam de 6%. Mas a abstenção preocupa, e nesta sexta aplicativos de alguns bancos privados tinham em sua primeira tela chamamentos para que o eleitor vá às urnas (ou entre no app).
Estão habilitados a votar 114,2 milhões dos 146 milhões de russos. Segundo a comissão eleitoral, 2,6 milhões já votaram de forma antecipada, boa parte nos territórios ocupados pelo Kremlin na Ucrânia.
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