EUA (FOLHAPRESS) – Os Estados Unidos tiveram sua hipocrisia exposta ao vetar no Conselho de Segurança das Nações Unidas a resolução proposta pelo Brasil sobre a guerra Israel-Hamas , afirma o ativista palestino Fadi Quran, 35, diretor de campanhas do movimento Avaaz.
Nascido em El-Bireh, na Cisjordânia, ele viveu nos EUA, onde estudou física e relações internacionais em Stanford, e hoje mora em Ramallah. Para ele, Washington sai enfraquecida aos olhos do Sul Global e perde credibilidade também no apoio à Ucrânia contra a Rússia.
Em março de 2011, Quran foi nomeado pela revista Time “a cara do novo Oriente Médio”. Meses depois, foi preso por autoridades israelenses após embarcar em um ônibus que ligava assentamentos israelenses na Cisjordânia a Jerusalém junto com outros cinco ativistas em protesto contra a proibição de palestinos usarem o transporte. No ano seguinte, foi preso novamente após protestar contra a proibição de circular na principal rua de Hebron.
“A decisão americana não apenas prejudica o país no palco global, como também transforma o modo que as pessoas enxergam os valores americanos”, afirma o ativista. “Os EUA passaram décadas buscando se apresentar como a voz da democracia, dos direitos humanos e da ordem internacional. Eu diria que o veto talvez tenha sido a gota d’água para que as pessoas deixem de acreditar nessas declarações.”
A resolução formulada pelo Brasil a partir de negociações com outros membros do Conselho condenava os ataques terroristas perpetrados pelo Hamas, pedia o estabelecimento de “pausas humanitárias” no conflito, e que Israel recuasse de sua ordem de retirada no norte da Faixa de Gaza, entre outros pontos.
O texto teve apoio de 12 dos 15 membros do conselho. Com duas abstenções, o único voto contrário foi o dos americanos, que historicamente blindam Israel no colegiado. Assim, o custo político do fracasso recaiu sobre os EUA, que tentaram protelar a votação na última semana para evitar a exposição.
A justificativa de Washington para o veto foi a ausência de uma menção ao direito de autodefesa de Tel Aviv.
“Eu acho que a tentativa do Brasil foi admirável, mas o país enfraqueceu tanto a resolução, que eu acho que ela não teria impactos de longo prazo sobre o conflito”, avalia Quran. “Ela poderia ter salvado algumas vidas ao garantir uma pausa humanitária, mas infelizmente, a razão pela qual o texto foi diluído -para obter o apoio americano- ainda resultou em um veto dos EUA. Por isso, acho que não foi a abordagem mais estratégica para realmente parar o conflito.”
Para o palestino, o real motivo do veto americano foi justamente a menção às pausas humanitárias, porque isso impediria que Israel tivesse flexibilidade total em suas operações militares. “Os EUA querem garantir que o apoio humanitário a Gaza venha por meio de um alinhamento americano e israelense, não pela ONU.”
A avaliação é próxima da feita por membros da diplomacia brasileira, que também atribuem a resistência americana ao envolvimento das Nações Unidas à crença de que cabe à Casa Branca a mediação do conflito na região.
No mesmo dia em que a resolução foi votada, o presidente Joe Biden estava em visita a Israel, onde anunciou um pacote de ajuda humanitária de US$ 100 milhões para a Palestina. Logo depois, Israel anunciou a autorização do envio de “comida, água e medicamentos” do Egito para a Faixa de Gaza após pedido feito pelo americano -algo que começou timidamente a se concretizar no sábado (21).
“Esses US$ 100 milhões foram apenas um acessório, porque os EUA precisavam de algo para dizer ao mundo árabe e ao Sul Global em termos de serem um mediador justo”, critica Quran. Ele questiona ainda quanto desse valor vai para quem sofre em Gaza, e quanto vai para a Autoridade Nacional Palestina, que vê como uma aliada dos EUA e de Israel.
Apesar das críticas à ANP, Quran teme que ela entre em colapso diante dos crescentes protestos na Cisjordânia, motivados pela percepção de que ela não estaria fazendo o suficiente por Gaza.
Outro medo do ativista é uma eclosão de violência na Cisjordânia. Segundo ele, desde os ataques pelo Hamas em 7 de outubro, cresceram os ataques de colonos israelenses a palestinos -algo que tem ficado obscurecido diante do foco do noticiário na crise humanitária em Gaza. “A minha sensação é que a qualquer momento alguém pode botar fogo na nossa casa”, diz.
Quran mora sozinho, mas próximo dos pais, de uma irmã, de tios e de tias. A família tem se preparado caso seja atacada: estoca água e suprimentos para o caso de um cerco, como ocorre em Gaza, mapeando quais locais poderiam servir de abrigo e organizando grupos de vigilância no bairro.
Ainda assim, Quran diz ter esperança de que a situação possa melhorar. Pela Avaaz, ele trabalha por um acordo em que Israel concordaria em liberar 170 crianças palestinas detidas em prisões no país em troca da soltura de cerca de 34 crianças e de seus guardiões feitos reféns pelo Hamas.
“Nesse acordo, Israel poderia trabalhar com a ONU para criar áreas humanitárias seguras para crianças em Gaza, áreas que não podem ser bombardeadas. Acho que há chances para conseguirmos esse acordo, que vai permitir desescalar o conflito e nos humanizar novamente de uma forma que impeça uma guerra total.”
De acordo com as Nações Unidas, 47% dos 2,2 milhões de habitantes de Gaza são crianças.
Caso ocorra uma incursão por terra do Exército de Israel em Gaza -conforme o país vem sinalizando nos últimos dias- e se confirme o temor de um enorme massacre na faixa, Quran aposta em uma reação via Assembleia-Geral da ONU.
“Acredito que países como África do Sul, Brasil e potencialmente a China se uniriam para dar um fim a isso, não apenas porque eles se importam com as vidas palestinas, mas porque todos querem evitar uma guerra regional que impacte a economia global.”
“Esse poderia se tornar potencialmente um dos pontos-chave que marcariam o declínio dos EUA na ordem internacional, porque você teria a maioria do mundo contra a aliança Israel-EUA.”
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