(FOLHAPRESS) – Marcelo Gutglas, 83, estava um pouco perdido nesta quarta-feira (21). Depois de 50 anos de trabalho ininterruptos, como é não ter nada para fazer?
“Eu saí do país. Ainda não deu para pensar nisso. Trabalhei a vida toda. Não sei como um aposentado se comporta”, afirma.
Nascido na Bolívia, o engenheiro eletrônico formado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo, viajou para Montevidéu, capital uruguaia, horas após ter vendido o Grupo Playcenter para a Cacau Show.
Em negociação de valor não revelado, abriu mão da empresa dona de uma rede de parques indoors e que tem como bem precioso a marca.
O nome Playcenter está ligado ao parque de diversões que chegou a ter 130 mil metros quadrados na marginal Tietê, na capital paulista. Por algum tempo, foi o maior da América Latina. Com problemas financeiros, fechou em 2012.
Desde a abertura, em 1973, recebeu, em média, cerca de 1,6 milhão de pessoas por ano.
Os planos de Alexandre Costa, CEO da Cacau Show, são investir no ramo do entretenimento e fazer a ligação entre a experiência sensorial do chocolate e o parque de diversões. Em entrevista à Folha de S.Paulo, ele disse que a volta do Playcenter se trata de um plano de longo prazo, mas “é um sonho”.
Embora diga que a negociação foi rápida para um grupo que, segundo pessoas do mercado, fatura mais de R$ 100 milhões por ano, Gutglas confessa ter hesitado. Mais de uma vez, sentiu receio em continuar com as conversas que o levariam a se desfazer da maior realização profissional de sua vida.
“Vacilei, sim. Algumas vezes. Eu vendi o Playcenter com o cérebro, não com o coração.”
Ele admite que poderia ser um bom momento para continuar no mercado. Vê com otimismo a perspectiva para parques como os que o grupo já tem, apesar dos custos considerados altos.
“É um setor que vai crescer. O Brasil tem todas as características necessárias para isso. Há o número de habitantes, o jeito alegre do brasileiro, que gosta de se divertir e estar em ambientes alegres. Estão acontecendo muitos investimentos em parques no país”, diz.
Gutglas apenas não poderia fazer renascer um parque ao ar livre como era o Playcenter. O investimento necessário seria astronômico, assegura. Também haveria a necessidade de obter diferentes licenças para operar, inclusive ambientais. Algo que não existia na década de 1970. Alexandre Costa garantiu-lhe que vai cuidar de tudo isso.
O veterano empresário fez também parte do projeto que implementou em 1999 o Hopi Hari, complexo de entretenimento que está na Rodovia dos Bandeirantes, em Vinhedo, no interior do estado.
Ele ressalta que a aposentadoria não será completa. Vai atuar como consultor de Costa no novo parque que pretende construir. O próprio CEO da Cacau Show diz contar com a expertise dos funcionários mais antigos do Playcenter para isso. Rogê, enteado de Gutglas que trabalha há 35 anos no grupo, será um deles.
“O sonho do Alê [Alexandre] é construir um grande parque temático e é algo que ele preza muito. Pelo que conheci dele, quando tem um sonho, vai atrás. Um dos motivos para a venda foi o comprador. Tenho certeza de que vai continuar o legado que deixei e seguir com a marca”, acredita.
É um legado que nasceu do acaso. O trabalho de conclusão de curso de Marcelo Gutglas, na faculdade de engenharia, foi projetar e construir uma vitrola que tocava músicas com a colocação de fichas de chumbo. Ele criou a primeira jukebox do Brasil, mesmo sem saber.
Era tudo artesanal e o ainda estudante colocou a sua obra no boliche de um amigo. O sucesso fez com que pensasse: aquilo poderia dar dinheiro. Construiu 12 e instalou em bares e restaurantes. Tinha de fazer manutenção de todas e fabricava até as fichas.
“Era um trabalho que durava 24 horas por dia”, diz.
Ele foi o pioneiro também na abertura de fliperamas no país.
Um amigo lhe apresentou o brinquedo em que hastes de plástico, acionadas por dois botões laterais, impulsionavam bolas de metal. Gutglas foi aos Estados Unidos e obteve crédito para comprar 30 máquinas. Na esquina da avenida São João com a Ipiranga, em São Paulo, abriu a primeira loja de entretenimento eletrônico.
Algum tempo depois, em Nápoles, na Itália, conheceu um empresário que lhe sugeriu investir em parque de diversões.
“Importei alguns brinquedos, inclusive uma montanha-russa de ferro que não havia no Brasil. Foi um sucesso tão grande que ela tinha de operar dia e noite, sem interrupção.”
Gutglas começou a fazer a matemática. Se ele cobrava US$ 1 por pessoa, ganhava US$ 8 a cada viagem. Valia a pena investir mais. Vendeu os fliperamas e comprou mais brinquedos. Um deles, um tobogã chamado Playcenter, que pertencia ao empresário Ricardo Amaral.
Estava definido o nome do parque que meses depois ele abriria na marginal Tietê.
“Naquela época, ninguém pensava naquela região. Só queriam saber da marginal Pinheiros. Além de ser um tamanho razoável, o preço do aluguel era compatível e começamos com 30 mil metros quadrados. Chegaram a me oferecer para comprar [o terreno] por US$ 100 mil. Mas uma montanha-russa nova também custava US$ 100 mil. Optei pelo brinquedo. Não sei se fiz certo”, relembra.
Um dos motivos para o colapso financeiro do parque, décadas depois, foi o aumento do aluguel na área em que estava instalado.
Gutglas deixou de pensar nesse assunto. Só voltou a refletir sobre isso quando vender o Grupo Playcenter passou a ser uma possibilidade real. Também não quer, por enquanto, focar na aposentadoria que não sabe como será.
“Fica a memória dos 40 anos de Playcenter, dos 60 milhões de visitantes, da minha vivência e do carinho que ainda recebo depois de tantos anos. O Playcenter era uma família feliz. Isso me deixa lisonjeado e com certa nostalgia. Foi um ciclo da minha vida. Mas acabou.”
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