SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O MP-SP (Ministério Público do Estado de São Paulo) acaba de fechar com a Central Nacional Unimed um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) envolvendo a rescisão unilateral de contratos de pacientes em tratamento.
Conforme reportagem da Folha de S.Paulo publicada em maio, convênios têm sido cancelados unilateralmente por operadoras de planos de saúde, no que tem sido visto por advogados e autoridades como uma possível forma de retirar da base os clientes mais custosos.
A operadora que mais tem rescindido contratos é a Unimed. De acordo com o TAC, a empresa encerrou este ano 2.484 contratos empresariais, que envolvem 7.633 beneficiários. São contratos na maioria das vezes formados por MEIs (microempreendedores individuais), que acabam colocando como dependentes a própria família.
Segundo o TAC, a Unimed precisa comunicar, de todas as formas possíveis, a rescisão do plano de saúde, que deve ser mantido por um prazo de 60 dias a contar da data da comunicação. O descumprimento implica multa de R$ 20 mil por beneficiário, mas o valor não é pago ao cliente: vai para o Fundo Especial de Despesa de Reparação de Interesses Difusos Lesados.
“A compromissária se obriga a observar os beneficiários, cujo tratamento esteja autorizado, e realizar abordagem pessoal, seja via Whatsapp, seja via e-mail, ou mesmo ligação telefônica, naqueles casos em que pretende proceder a resilição contratual”, informa o documento. A Unimed também deve divulgar em seu site, na área do beneficiário, a informação sobre o fim do contrato.
A Unimed Nacional, por meio de sua assessoria de imprensa, afirma que “cumpre rigorosamente a legislação e normas que regem os planos de saúde e ressalta que mantém diálogo aberto com o poder público em prol de medidas que contribuam para o aprimoramento da saúde suplementar”. Segundo a operadora, “o respeito e o cuidado com os beneficiários são a base de suas relações.”
O acordo, porém, recebeu críticas.
“Não vejo nenhum benefício no TAC”, diz o advogado Valério Lima Rodrigues, especialista em direito médico e da saúde. “O acordo não soluciona os problemas dos beneficiários da Unimed. Apenas obriga a operadora a comunicar os seus consumidores da resilição contratual e que manterá o contrato ativo por 60 dias, mas apenas para os procedimentos que foram deferidos”, afirma.
Segundo Rodrigues, a comunicação da rescisão contratual já é uma obrigação prevista no Código de Defesa do Consumidor.
O advogado especialista em saúde Rafael Robba, do escritório Vilhena Silva Advogados, concorda. “O TAC só visa garantir que os consumidores sejam avisados da rescisão e que eles tenham o atendimento durante o período de aviso prévio, de 60 dias”, diz. “Mas os beneficiários continuarão a ter o seu contrato cancelado após esse período.”
De acordo com Robba, muitos clientes não estavam recebendo a comunicação da rescisão por parte da Unimed, que se limitava a enviar e-mails. “O consumidor não via e era pego de surpresa, com o plano cancelado de uma hora para outra”, diz. Agora, a operadora é obrigada a comunicar adequadamente o consumidor sobre o fim do contrato e manter o seu tratamento por dois meses.
“Mas o grande problema é que os consumidores idosos e em tratamento não conseguem contratar novos planos, eles têm dificuldade também para fazer portabilidade”, afirma Robba.
“São poucas operadoras no mercado e elas impõem muitas restrições. Quando o beneficiário é aceito, os planos oferecidos em substituição são muito mais caros”, diz ele, que considera que a situação não é objeto de uma atuação enérgica por parte da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar). “Os consumidores ficam desamparados.”
O MP-SP informou, por meio de sua assessoria, que “o TAC está sob avaliação do CSMP [Conselho Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo] para saber se os termos são suficientes” e que “o MP-SP prefere não se manifestar no momento.”
Muitos usuários de planos de saúde precisam recorrer à Justiça para garantir o tratamento para além do prazo de 60 dias. É o caso da assistente administrativa Tatiana Vieira de Souza, 39 anos. Ela é mãe de duas meninas, de 8 e 4 anos, para quem fechou um plano de saúde da Unimed, por meio da Qualicorp.
A mais nova, Alice, foi diagnosticada há um ano com transtorno do espectro autista. A menina estava passando por 20 horas semanais de tratamento, entre psicoterapia, fonoaudiologia e terapia ocupacional. Tatiana recebeu um email da Qualicorp informando que o produto que abrangia as suas duas filhas não seria mais oferecido e o contrato seria rescindido.
Tatiana poderia migrar para outros planos mas, diferentemente do atual, as opções tinham co-participação, ou seja, além da mensalidade, ela teria que arcar com o pagamento de parte de cada uma das sessões. Ela quer manter a Unimed, para assegurar que a filha mantenha o tratamento na mesma clínica -isso porque mudanças bruscas em casos de pacientes com autismo podem colocar toda a evolução do tratamento em risco.
“Eu pagava R$ 720 de mensalidade para as minhas duas filhas. Com a opção que me deram de migração de plano da Unimed, de co-participação, eu teria que pagar quase R$ 4.000 por mês. É inviável”, diz ela. Mesmo outro plano mais em conta, o da NotreDame Intermédia, sairia em torno de R$ 1.400 de mensalidade para ela e as duas filhas.
Tatiana obteve uma liminar contra a Qualicorp e a Unimed, para manter o plano para as duas filhas. Ainda assim, Alice passou o último mês sem tratamento, por causa do fechamento da clínica onde a menina era atendida, que pertencia à própria Unimed. “Alice passou o último mês em avaliação para atendimento em outra clínica, sem sucesso. Ela regrediu neste período, com muitas crises nervosas e choro.”
A Qualicorp informou que, “como administradora de benefícios, atua em defesa do consumidor, negociando o menor reajuste possível e, em situações específicas, oferece uma série de planos dentre a grade de produtos e regras disponibilizadas pelas operadoras para que o cliente siga mantendo o acesso à saúde de qualidade”.
Para a deputada estadual Andréa Werner (PSB-SP) -que entre abril e maio recebeu em seu gabinete cerca de 200 denúncias a respeito da rescisão unilateral de planos de saúde, a maioria envolvendo crianças com autismo, câncer e epilepsia, entre outros transtornos e doenças-, o comportamento recorrente de interromper planos de pessoas em tratamento deve ser reconhecido e punido, em linha com o entendimento do STJ (Superior Tribunal de Justiça).
“O TAC não inibe que as pessoas ainda busquem reparação judicial de forma individualizada, e nós inclusive incentivamos que, quem puder, o faça”, diz ela, fundadora do Instituto Lagarta Vira Pupa, que defende os direitos de pessoas com deficiência. Segundo Andrea, o TAC também possibilita que outras pessoas que foram lesadas e que não enviaram suas denúncias ao gabinete e ao MP sejam contempladas por um eventual restauro de seus planos.
“Por outro lado, pelo potencial de dano que essa ação da Unimed teve para dezenas de famílias, acreditamos que a multa precisava ter sido mais exemplar.”