JOÃO PEDRO PITOMBO
SALVADOR, BA (FOLHAPRESS) – A prisão aconteceu da forma trivial: Ednaldo Freire Ferreira, 43, o Dadá, dirigia na BR-232 um veículo utilitário de luxo quando foi abordado em uma ação de rotina da Polícia Rodoviária Federal.
Era madrugada de 5 de setembro, e o veículo foi parado na altura de Sertânia, cidade do sertão pernambucano a 315 km do Recife. O motorista apresentou uma habilitação falsa aos policiais, que suspeitaram do documento e logo descobriram que estavam diante de um dos traficantes mais procurados da Bahia.
Menos de um mês depois, em 3 de outubro, Dadá sairia pela porta da frente do presídio Itaquitinga, em Pernambuco. Seu alvará de soltura foi expedido dois dias antes pelo desembargador Luiz Fernando Lima, do Tribunal de Justiça da Bahia, que transformou sua prisão preventiva em domiciliar.
A decisão irritou a cúpula da segurança da Bahia, foi criticada por membros do governo federal e resultou no afastamento do desembargador pelo Conselho Nacional de Justiça na última segunda-feira (16).
Natural de Irecê, cidade de 74 mil habitantes do Centro-Norte da Bahia, Ednaldo Freire Ferreira é um dos fundadores do BDM (Bonde do Maluco), uma das maiores e mais violentas facções criminosas da Bahia.
O grupo criminoso foi criado em 2015 no Complexo Penitenciário da Mata Escura, em Salvador, a partir de um desmembramento de outra facção conhecida como Caveira. Na época, seu principal líder era o assaltante de banco José Francisco Lumes, o Zé de Lessa.
A facção passou a dominar territórios em Salvador e, aos poucos, intensificou sua atuação em cidades do interior do estado. Em 2019, Zé de Lessa já era o ás de ouro do baralho do crime, arquivo da Secretaria de Segurança da Bahia que elenca os criminosos mais procurados em um formato de jogo de cartas.
Em dezembro de 2019, Lessa foi morto pela polícia em Mato Grosso do Sul, de onde estabelecia a conexão com traficantes que atuavam na fronteira com o Paraguai. Desde a morte de Lessa, Dadá passou a ser o principal nome dentre os líderes da facção.
O BDM, que atua em aliança com o PCC (Primeiro Comando da Capital), protagoniza desde 2020 uma ferrenha disputa por territórios com o Comando Vermelho, facção carioca com atuação nacional que se associou com o grupo criminoso baiano Comando da Paz.
O embate está na raiz da recente escalada de violência enfrentada pela Bahia nos últimos anos. Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública apontam que o estado tem o maior número absoluto de mortes violentas do Brasil desde 2019 e fechou o ano de 2022 com 6.659 assassinatos.
Dadá foi investigado por tráfico de drogas e organização criminosa por sua atuação na sua cidade natal, Irecê, e em municípios do oeste baiano como Barreiras e Luís Eduardo Magalhães. Com o tempo, expandiu sua área de atuação e passou a controlar o tráfico em parte do estado de Tocantins.
Foi preso pela primeira vez em 2008, no âmbito da Operação Magalhães. A ação, que investigava tráfico de drogas no oeste da Bahia, cumpriu dez mandados de prisão e deteve outras cinco pessoas em flagrante. Na época, Dadá tinha 27 anos.
Em abril de 2016, quando cumpria pena de sete anos de prisão por tráfico de drogas, foi beneficiado com uma saída temporária e não voltou para a cadeia. Foi recapturado em setembro de 2016 em meio a uma ação da Polícia Federal em Palmas (TO).
Dias depois da prisão, a Polícia Civil e o Ministério Público do Estado da Bahia deflagraram a operação Cronos/Hades, que investigava uma quadrilha que teria movimentado cerca de R$ 21 milhões por meio de empresas que serviam como fachada para lavagem de dinheiro do tráfico de drogas.
Na época, Dadá foi apontado pelas autoridades como o líder da quadrilha. Sua companheira, também presa no Tocantins, seria a gerente do esquema e responsável pela criação de empresas fictícias para a lavagem de dinheiro, incluindo duas concessionárias de veículos.
A partir da prisão no Tocantins, em 2016, Dadá cumpriu pena em regime fechado até janeiro de 2022, quando obteve progressão de pena e deixou a cadeia.
Meses depois, foi um dos alvos da operação Tarja Preta, da Polícia Federal, que mirou membros de facções suspeitos de crimes como homicídios, tráfico de drogas e armas. Na ocasião, acabou não sendo encontrado pela polícia.
Seria novamente preso apenas em setembro deste ano em Pernambuco, em uma fiscalização de rotina da Polícia Rodoviária Federal.
O seu alvará de soltura foi expedido pelo desembargador Luiz Fernando Lima em uma noite de domingo, 1º de outubro, em meio ao plantão judiciário. O magistrado acatou o argumento da defesa, que alegou que Dadá possui um filho com transtorno do espectro autista e que é o responsável pela criança.
A decisão foi revertida dois dias depois, após pedido do Ministério Público, mas o traficante não foi mais encontrado e é considerado foragido.
Procurado nesta sexta-feira (20), o advogado de Dadá, Luiz Henrique Gesteira Gonçalves, não atendeu às ligações, nem respondeu aos contatos da reportagem.
Em relação ao afastamento pelo CNJ, o desembargador Luiz Fernando Lima disse, por meio de sua defesa, que “está empenhado em sua defesa técnica e focado em demonstrar que nada de errado foi feito por ele, o que apenas confirma uma vida pública ilibada de 40 anos”.
O governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues (PT), não comentou a decisão do desembargador, afirmou que as polícias têm desempenhado seu papel e defendeu uma atuação em parceria entre os Poderes no combate ao crime organizado.