ADRIANO WILKSON
SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS) – Os torcedores chegaram depois do almoço, passaram pela recepção e subiram as escadas batendo de porta em porta. Eles estavam irritados, estressados, a ponto de cometer uma loucura. Um deles gritou: “Qual o quarto daquele filho de rapariga”
O “filho de rapariga”, no caso, era Cesar Poubel, empresário do futebol, 43 anos, natural de Teresópolis (RJ). Ele tinha chegado a Sousa, no sertão da Paraíba, na noite anterior pra tentar fechar um contrato. Agora, em um dos quartos do hotel Jardins Plaza, ele ouvia os passos da turba subindo os degraus, as vozes graves dizendo o seu nome e ameaçando acabar com a sua vida. Poubel pegou o celular e apertou 190.
Depois se trancou no banheiro e esperou a polícia chegar. Os dez minutos seguintes pareceram dez anos. Ele viu se aproximando, uma fratura exposta, um traumatismo craniano, quem sabe um linchamento completo. A vida parecia por um fio. Ele estava sozinho, a 2 mil km de casa, sendo perseguido por cerca de 200 torcedores enfurecidos.
O cenário da tragédia parecia bem armado. Era quarta-feira (30), e Sousa e Ferroviária de Araraquara (SP) jogariam no domingo (3) pelas quartas de final da Série D do Brasileiro -o jogo mais importante do ano. O time paraibano tinha perdido a ida por 1 a 0 e precisava vencer por dois gols pra subir de divisão.
O presidente do Sousa começou a quarta visitando a rádio Tabajara, onde fez uma denúncia grave: um “pseudo-empresário” estava em Sousa pra oferecer suborno para um jogador do seu time não entrar em campo no domingo. A proposta incluiria um carro e um contrato no exterior para o atacante Luiz Henrique não jogar contra a Ferroviária na partida decisiva.
O presidente Aldeone Abrantes foi além e deu o sinal para uma caçada ao empresário aliciador: “Vamos espalhar a fotografia desse elemento em tudo que é grupo, pra que haja uma procura da própria torcida. É uma ousadia muito grande, muito grave”, disse ele na entrevista.
Incitados, os torcedores descobriram o nome do “elemento, viram sua foto, saíram do WhatsApp e não esperaram o sol baixar para se dirigir ao hotel onde Cesar Poubel se hospedava. Enquanto o empresário se encolhia no banheiro rogando pela salvação em forma de polícia, a torcida do Sousa encontrou o que parecia a prova definitiva do esquema.
Lá fora, um torcedor olhou pela janela do Sentra cinza estacionado na frente do hotel e viu um papel com o nome de Giuliano Bertolucci, o mega agente de futebol, o empresário de vários jogadores da seleção brasileira e, desde novembro de 2022, o dono da Ferroviária.
Um torcedor ligou os pontos. Outro furou os dois pneus do Sentra. Pela janela do banheiro, o empresário ouviu entrar o canto: “Uh, vai morrer! Uh, vai morrer!”
As denúncias de mala preta, suborno para perder jogos ou prejudicar o próprio time, são comuns no futebol brasileiro, mas as provas são raras. Aldeone Abrantes não apresentou nenhuma. Ainda assim, Cesar Poubel foi levado à delegacia, prestou depoimento e foi liberado em seguida. No boletim de ocorrência, o empresário explicou que estava na cidade para oferecer ao atacante Luis Henrique um pré-contrato com um time do Japão, o que ele podia fazer já que o atual vínculo do jogador com o Sousa estava prestes a se encerrar.
Poubel confirmou ter oferecido um carro ao jogador, mas negou ter exigido que Luis Henrique não entrasse em campo domingo. “Jamais falamos disso, não entendo de onde tiraram essa história”, afirmou o empresário em entrevista à reportagem. Segundo ele, a ideia seria assinar um pré-contrato agora e deixar a Paraíba apenas após a participação do Sousa na Série D.
Poubel não é o atual empresário de Luis Henrique, mas trabalhou com o jogador quando ele jogou na base do Corinthians em 2017. Mesmo que até agora não tenha surgido prova da acusação de suborno, o empresário foi criticado por abordar o jogador com uma oferta de contrato justamente em uma semana decisiva na temporada.
Luis Henrique prestou depoimento à polícia e em seguida publicou uma nota nas redes sociais afirmando estar focado na partida de domingo. “Meu caráter está acima de tudo e nunca vou agir com nada que vem de encontro aos meus princípios”, escreveu.
A reportagem também procurou o presidente Aldeone Abrantes para saber mais detalhes sobre a acusação que ele fez ao empresário. Seu assessor de imprensa não retornou o pedido até a noite de ontem. No Instagram, o cartola publicou um vídeo em que afirma que os jogadores da Ferroviária serão muito bem recebidos na Paraíba e que a torcida deve fazer apenas festa, e não guerra. “Vamos fazer desse jogo uma grade festa do futebol brasileiro, não pregar, incitar ou duvidar da segurança da nossa cidade, da índole do nosso povo honrado, sertanejo, sofrido e trabalhador.”
A Ferroviária afirmou que comunicaria o caso ao STJD para que a Justiça desportiva tome providências. Cesar Poubel, que precisou ser escoltado pela polícia até a cidade vizinha de Pombal, nega qualquer irregularidade ou ato antiético em sua abordagem. Ele promete processar o presidente do Sousa: “Vou querer danos morais, materiais, vou entrar com ação criminal, o que for… Achei que ia morrer, foi um atentado. Tudo por causa de uma irresponsabilidade do presidente.”
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