O fundista britânico Mo Farah, tetracampeão mesmo lidando com o trauma de ter sido vítima de tráfico infantil e vivido em situação análoga à escravidão, se aposentou neste domingo. Aos 40 anos, ele correu a meia maratona de Newcastle, na Inglaterra, e terminou em quarto lugar em seu último ato como profissional de atletismo após escrever o nome na história do esporte. Após cruzar a linha de chegada, emocionou-se e fez um discurso dedicado a Tania Nell, sua mulher.
“O atletismo foi o que me salvou. Sem ter algo como isso para fazer e para me sentir feliz, a vida seria bem mais difícil para mim”, disse à BBC. “Vocês me vem como campeão olímpico, ganhando a medalha ao som do hino nacional, e isso é enorme, mas o que nós esquecemos são as pessoas que estão atrás de você. Sem o apoio das pessoas que tenho em minha vida, eu não chegaria onde cheguei, particularmente minha esposa. Ela passou por muita coisa, cuidando das crianças enquanto eu estava fora. Sem o suporte dela, eu não estaria aqui. É bem emocionante, vou tentar ter um tempo para mim e para família, mas tudo o que sei é correr, é o que sempre fiz”, completou.
Dono de oito medalhas em Campeonatos Mundiais, sendo seis ouros e duas pratas, Mo Farah foi campeão das provas dos 10.000 metros e dos 5.000 metros em duas olimpíadas seguidas – nos Jogos de Londres, em 2012, e do Rio, em 2016. No ano seguinte à conquista em solo brasileiro, deixou as pistas de lado para se dedicar às corridas de rua.
Em 2022, o atleta revelou, em um documentário da BBC, ter sido vítima de tráfico infantil. Nascido na Somália e até então chamado Hussein Abdi Kahin, foi traficado para Londres quando tinha nove anos e adotou o nome Mohamed Farah, como constava no passaporte falso feito pelos traficantes. Uma mulher completamente desconhecida foi a responsável por levá-lo de avião da África para a Europa. Conforme relatado pelo fundista, ela rasgou uma foto de seus verdadeiros pais em sua frente. “Rasgou e colocou no lixo. Naquele momento, eu sabia que estava em apuros”, contou.
Ao chegar no Reino Unido, Farah foi entregue a uma outra família e passou a realizar tarefas domésticas, vivendo em condição análoga à escravidão, proibido de ir à escola até os 12 anos. Ele relata que era ameaçado e não deveria questionar a situação pela qual passava. Entre suas tarefas estava cuidar de outras crianças. “Muitas vezes eu me trancava no banheiro e chorava”, lembra.
Anteriormente, Farah contara que chegou com seus país da Somália como refugiado, pois não tinha segurança em revelar sua verdadeira história, mas, com o tempo, entendeu que seria importante compartilhá-la como forma de chamar atenção para casos com o dele. A verdadeira mãe dele na província separatista da Somalilândia, junto de outros dois filhos. Já o pai de Mo Farah foi morto por uma bala perdida, na Somália, quando o lendário atleta tinha quatro anos.