IDIANA TOMAZELLI
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Buscando um status mais elevado para o órgão, a Secretaria do Tesouro Nacional incluiu em uma minuta de projeto de lei complementar um artigo que converte o posto ocupado pelo secretário em um cargo de natureza especial.
Além da diferença salarial, o selo garantiria ao titular do Tesouro um lugar dentro do seleto grupo do Poder Executivo com essa classificação. Dois órgãos do Ministério da Fazenda já estão nessa categoria: Receita Federal e PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional).
A proposta está no rascunho do projeto de reformulação do RRF (Regime de Recuperação Fiscal) dos estados, obtido pela Folha. O argumento é que a equiparação daria melhores condições de acesso e tratamento dentro do próprio governo.
Procurado pela reportagem, o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, confirmou a iniciativa em estudo e disse que é um pedido dos próprios técnicos do órgão, mas fez a ressalva de que a ideia ainda não foi validada pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda).
“Eu permiti, de fato, que eles [técnicos] colocassem para discutir com o ministro. É um pleito da casa”, afirma Ceron.
Os cargos de natureza especial estão no topo da hierarquia do Executivo Federal, logo abaixo dos ministros de Estado. São ocupados por pessoas da mais alta confiança dos membros do governo. Não há exigência de vinculação prévia com o serviço público.
São cargos de natureza especial os secretários-executivos (que atuam como ministros quando os titulares da pasta estão ausentes), diretores e presidente do Banco Central, o chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, os comandantes da Aeronáutica, do Exército e da Marinha, os subchefes da Casa Civil, os titulares das principais áreas da AGU (Advocacia-Geral da União) e o chefe do gabinete pessoal do presidente da República.
Funcionária de carreira do órgão, a secretária-adjunta do Tesouro Nacional, Viviane Varga, afirma que a mudança teria “implicações inclusive operacionais”.
“Tem questões que parecem bobagem, mas quando é convocado para uma reunião e tem de chegar na Presidência da República, [tendo cargo de natureza especial] você consegue entrar mais rápido e mais fácil numa reunião, pelo fato de você ter o carro que tem acesso à entrada do presidente”, afirma.
“O Tesouro Nacional é um órgão que tem papel importante na construção, na tomada de decisões, e fica desbalanceado por uma questão que é meramente burocrática. É mais nesse sentido, para corrigir essa assimetria que existe. É uma demanda muito antiga, e a ideia é que se possa avançar neste momento”, acrescenta Varga.
Integrantes do governo ouvidos reservadamente pela reportagem reconhecem que a mudança é uma demanda histórica dos servidores do Tesouro, mas temem que apresentá-la de forma isolada gere um ruído desnecessário.
O secretário afirma que ainda vai tratar do tema com o Ministério da Gestão para verificar a viabilidade da medida e se ela “não cria precedente para outras áreas”.
“O Tesouro Nacional é uma instituição que tem um peso hiper-relevante, tem um papel próprio, e acho legítimo que tenha o mesmo status dessas outras instituições [Receita Federal e PGFN]”, afirma Ceron.
O secretário do Tesouro Nacional é hoje um cargo comissionado executivo, com remuneração de R$ 18.469,94 mensais (ou R$ 11.081,96 quando o posto é ocupado por um servidor efetivo, empregado permanente da administração pública ou militar).
O cargo de natureza especial paga R$ 18.887,14 mensais (ou R$ 11.332,28 quando exercido por servidor).
Auditor-fiscal tributário da Prefeitura de São Paulo, Ceron já tem boa parte de sua remuneração no Tesouro Nacional consumida pelo “abate teto”, que evita que um servidor receba acima do teto remuneratório do funcionalismo (hoje em R$ 41.650,92 mensais).
“Até tinha pedido se era possível que isso valesse a partir da minha saída, para não ter qualquer confusão: ‘Ah, então vai mudar o seu cargo’. Isso para mim é completamente irrelevante, não faz nenhuma diferença salarial para mim, nada disso. Só para ficar claro, senão parece que é uma coisa que não é. É um pleito da casa. São coisas da burocracia, mas têm relevância”, afirma.
Além disso, Ceron afirma ter dado o sinal verde para a inclusão da proposta no projeto dos estados porque as mudanças no RRF levarão à extinção de cargos hoje reservados ao Conselho de Supervisão de cada um dos regimes em vigor.
“Se for mexer em algum cargo, é a oportunidade de mexer nisso, porque aí não gera nenhum impacto fiscal. Transforma o cargo e acabou”, diz o secretário.
Apesar da lógica de compensação, a mudança de status não precisa ser feita por projeto de lei complementar –que inclusive exige um quórum maior para aprovação no Congresso Nacional. Bastaria uma MP (medida provisória) ou um projeto de lei ordinária.
Nos bastidores, defensores da mudança afirmam que o titular do Tesouro Nacional atua como uma espécie de número 3 na hierarquia do Ministério da Fazenda, respondendo pelas ações da pasta na ausência do ministro e do secretário-executivo.
Investidas anteriores também foram fomentadas por uma crença de que, em uma eventual flexibilização da estabilidade funcional –como proposto na reforma administrativa do governo de Jair Bolsonaro (PL)–, apenas órgãos chefiados por cargo de natureza especial seriam blindados como “carreiras de Estado”.
A gestão anterior, porém, nunca chegou a detalhar a lista de categorias para confirmar ou não essa tese.
As tentativas prévias de alçar o secretário do Tesouro a um cargo de natureza especial, porém, não foram adiante por causa do temor de uma repercussão negativa em torno do tema, além da brecha para que outros órgãos da administração pública buscassem a mesma equiparação.
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