RuPaul fala de relação com drogas e perseguição a livros LGBT e se cala ante a política

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – RuPaul aparece sem peruca e de rosto lavado na capa do seu livro “A Casa dos Significados Ocultos”. É uma fotografia em preto e branco, feita há cerca de 20 anos, quando o artista cultivava bigode e cavanhaque. Em nada se parece às capas dos seus outros livros, com ele montado de drag queen, usando cabeleiras espalhafatosas, roupas femininas, lápis de olho e batom.

Alguns desavisados decerto não saberiam que a nova obra fora escrita pelo artista drag mais famoso dos Estados Unidos -não fosse seu nome estampado em letras garrafais no topo da capa.

É como se agora RuPaul quisesse ser mais o criador e menos sua criatura. “Não vivo o tempo todo montado de drag. Essa foto foi tirada quando eu tinha 40 anos. Gosto dela porque estou sério e olhando diretamente para a lente da câmera. É assim que acordei nesta manhã, e é esta a pessoa que me tornei depois de ficar sóbrio”, diz à Folha de S.Paulo.

É a vontade de RuPaul de olhar para o passado e para seu eu interior que dá a tônica deste livro de memórias publicado pela Intrínseca.

Ele fala de forma minuciosa da sua infância pobre, das brigas com a família, da exploração da sua sexualidade e da juventude regada a álcool, maconha, LSD e até cocaína.

Sóbrio há quase 25 anos, o artista lembra das drogas com certo saudosismo. “Apaguei todo o fingimento nesse livro. E tenho gratidão por essa época [de dependência] porque me diverti muito. Fumar maconha silenciou meus sentimentos até que eu aprendesse a lidar com eles.”

Muitos dos seus traumas nasceram dentro de casa. Filho de um casamento fadado ao fim, RuPaul decidiu, ainda criança, que sua missão era tentar distrair a mãe da infelicidade.

Fazia graça com pó no rosto e uma toalha enrolada na cabeça. A brincadeira de criança virou profissão no futuro. “RuPaul’s Drag Race”, reality de competição entre drag queens, o transformou num nome incontornável da cultura LGBTQIA+.

Mas a relação de companheirismo não existia com o pai. RuPaul afirma que o genitor era um bajulador nato de mulheres, só prestava atenção nas irmãs e que mal notava sua existência. O jeito, ele escreve no livro, foi se transformar na garota mais bonita que aquele homem pudesse conhecer.

“Minha drag nasceu da tentativa de impressioná-lo”, ele diz. “Meu pai era raso. A maioria de nós bloqueia sentimentos desde cedo, e ele era uma destas pessoas.”

Ter crescido num lar pouco funcional fez RuPaul sonhar desde garoto com a ideia de virar o que ele chama de “alguém inteligente”. Não eram os atores de Hollywood, políticos ou qualquer pessoa famosa, disso tinha certeza. Os espertos eram pessoas anônimas, escondidas por aí, sagazes demais para revelar quem são.

Essa percepção não mudou, afirma ele, hoje aos 63 anos. “Pessoas inteligentes ainda ficam nos bastidores porque ficou mais difícil ter opiniões. Os ânimos estão muito inflamados. Essa onda de superioridade moral que varreu o mundo não permite mais uma conversa madura. É ridículo.”

Movido por este incômodo, RuPaul criou um ônibus colorido que vai rodar pelos Estados Unidos para distribuir livros que foram perseguidos e censurados, a maioria de temática LGBTQIA+ ou escritos por autores não brancos.

Os Estados Unidos têm vivido uma crise de censura e banimento de títulos. Em 2022, grupos conservadores pediram que 2.571 títulos fossem retirados de bibliotecas, segundo levantamento de uma instituição de defesa da liberdade de expressão. Justificam falando em proteger crianças de assuntos inapropriados.

Foram caçadas obras como “Nem Todos os Meninos são Azuis”, sobre um menino negro e LGBTQIA+, e também “Gênero Queer”, quadrinho de caráter biográfico sobre uma pessoa não binária que foi acusado de conter trechos com forte teor sexual.

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