Quem é Javier Milei, o ultraliberal que queria explodir a política Argentina

JÚLIA BARBON
BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) – Quem conheceu Javier Milei apenas alguns anos atrás jamais poderia imaginar que hoje ele abraçaria multidões, encheria estádios e estaria a poucos passos de se tornar o próximo presidente da Argentina. Relações humanas não eram o forte da criança solitária, do adolescente agredido pelo pai e do adulto que via em seu cachorro seu único amigo.

“Era um ermitão”, descreve o advogado Carlos Maslatón, uma das poucas pessoas com quem Milei se sentava para ter longas conversas sobre filosofia econômica há uma década. Naquela época, a palavra dolarização, hoje mantra do candidato ao lado da proposta de “explosão” do Banco Central, ainda não estava no vocabulário do ultraliberal.

Maslatón tinha um programa de rádio e foi incumbido por um editor de convidar o então professor universitário de 40 e poucos anos para uma conversa ao ar. O papo rendeu, e a amizade se estendeu por longos dez anos. Como muitas outras, porém, ela ficaria pelo caminho à medida que Milei ia se aproximando da Casa Rosada.

“Ele tem um problema quando o contradizem, irrita-se com opiniões diferentes das dele e é inseguro, por isso reage gritando e insultando”, diz o ex-amigo, que sabia que o corte seria definitivo quando decidiu fazer uma crítica pública ao economista em plena corrida eleitoral, em meados de 2022. Àquela altura, Milei já havia viralizado nas redes sociais e sido eleito deputado nacional.

Um personagem ou um excêntrico real? Para o jornalista Juan Luis González, que conversou com dezenas de pessoas de sua vida pregressa à política para a biografia não autorizada “El Loco”, o Milei público e o privado “são a mesma pessoa, e justamente por isso funcionou”.
Pelo mesmo motivo, o repórter se espantou com a personalidade mais moderada e menos “anticasta” que ele vem apresentando desde que passou para o segundo turno.

“Pela primeira vez, Milei está mentindo”, diz, citando o apoio que o extremista recebeu da direita tradicional do ex-presidente Mauricio Macri e da ex-adversária Patricia Bullrich desde então. “A grande novidade não é a aliança política, mas como ele mudou seu discurso para justificá-la. Sua loucura sempre teve certa coerência, ele antes não dizia coisas nas quais não acreditava.”

Por trás da instabilidade, porém, há quem descreva certa ternura –talvez puxada pela solidão, especula González. Milei nasceu 53 anos atrás na capital Buenos Aires, filho de uma dona de casa e de um motorista de ônibus que mais tarde lograria uma rara ascensão social, passando a dono de linhas de transporte. Um homem duro, segundo o próprio filho, que lembra o dia de sua pior surra.

Foi em 2 de abril de 1982, quando as Forças Armadas comandadas pela ditadura argentina invadiram as Ilhas Malvinas, iniciando uma guerra que duraria dez semanas contra os ingleses. O Milei de 11 anos que assistia o feito na TV opinou que a invasão era um delírio e terminaria em derrota –o que de fato ocorreu.

“Meu pai ficou furioso e começou a me bater com socos e chutes, por toda a cozinha”, contou o próprio ao portal Perfil em 2018. Naquele dia, sua irmã mais nova e braço direito, Karina, passou mal e foi internada. Se ela morresse, a culpa seria do primogênito, disse a ele sua mãe. “Quando cresci, ele parou de me bater para exercer violência psicológica”, narrou ele, que cortou relações com o pai e, na época da entrevista, disse fazer terapia.

O Milei da puberdade tinha como maiores ídolos os Rolling Stones, dos quais fazia covers com sua banda Everest, traço que conserva até hoje nas jaquetas de couro e nos atos de campanha que mais parecem shows de rock. Também foi goleiro e chegou a jogar profissionalmente em divisões inferiores do Chacarita Juniors, pequeno clube da capital argentina.
Mas o que queria mesmo era se tornar economista, formando-se mais tarde na Universidade de Belgrano. Dedicaria grande parte de seu tempo nas últimas duas décadas à carreira acadêmica na Universidade de Buenos Aires (UBA) e na Universidad del Salvador (Usal).

Nessa última, conheceu um de seus mais notáveis discípulos, Ramiro Marra, 40, deputado e candidato derrotado ao governo da capital. A Folha tentou falar com ele, mas não teve resposta. “Se você mencionasse [John Maynard] Keynes para Milei, você não passava”, já ironizou o pupilo, referindo-se ao economista inglês que defendia a intervenção estatal nos mercados.

Antes disso, o ultraliberal iniciou sua carreira no setor privado, atuando no banco HSBC e na empresa Máxima, administradora de aposentadorias e pensões. Também teve cargos mais contraditórios à sua versão atual, como o de economista-chefe da Fundação Acordar, think tank de políticas públicas ligado a Daniel Scioli, peronista que perdeu a Presidência para Macri em 2015 e hoje é embaixador no Brasil.

Mas como Milei passou da criança solitária e do professor universitário a político influente? Para González, a resposta está em um nome: Eduardo Eurkenian, bilionário argentino dono do conglomerado de mídia e aeroportos Corporação América, para o qual o economista trabalhou por 13 anos.

Segundo o jornalista, o empresário é quem teria impulsionado as primeiras aparições midiáticas de Milei –na intenção de denegrir a imagem do então presidente Macri– e depois financiado sua candidatura a deputado, o que ambos negam.
Mas o fenômeno saiu do controle de Eukernian quando Milei viralizou nas redes. Hoje o empresário chama o candidato de potencial ditador e critica suas ofensas ao papa Francisco.

O ano em que Milei começou a ter destaque como comentarista na TV foi 2017, o mesmo em que seu cachorro Conan morreu. O mastim inglês de quase 100 kg foi o único que estava sempre ao seu lado, como o presidenciável já disse várias vezes –incluindo o momento em que ele próprio chegou a pesar 120 kg, ao ficar desempregado aos 30 e poucos anos.

Por isso, o ultraliberal resolveu cloná-lo pagando mais de US$ 50 mil (R$ 250 mil na cotação atual) a uma empresa americana, de acordo com o The New York Times. Gerou cinco cachorros a partir do DNA de Conan, que batizou com nomes de economistas conservadores e chamou de filhos ao vencer as primárias de agosto, derrotando as duas maiores forças políticas do país.

A essa altura, porém, Milei já tinha mais companhia. Pouco antes daquele domingo, anunciou um namoro com a comediante Fátima Florez. Seu entorno diz que o relacionamento é muito real, apesar do timing suspeito.
Seu cabelo continua despenteado, já que segundo ele “a mão invisível lhe penteia”. Mas agora menos.

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