Professor foi deixado de lado, diz especialista sobre uso do ChatGPT em SP

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A decisão do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) de usar inteligência artificial para produzir aulas digitais no lugar de professores foi criticada por especialistas em educação e denunciada por políticos de oposição para o Ministério Público.

Eles afirmam que o uso da ferramenta ChatGPT para produzir material didático afronta a autonomia pedagógica dos professores e coloca em risco a qualidade do ensino paulista, já que não há regulamentação ou comprovação da eficácia da utilização de inteligência artificial para esse fim.

A Folha de S.Paulo mostrou que a Secretaria de Educação, comandada por Renato Feder, decidiu que as aulas não serão mais feitas por professores curriculistas, especialistas na elaboração desse tipo de conteúdo. Esses docentes terão agora a função de avaliar as aulas geradas por inteligência artificial e realizar os ajustes necessários.

“Não é uma questão de preconceito com as ferramentas de inteligência artificial, mas de entender qual é a sua finalidade. Elas podem auxiliar em trabalhos mais objetivos. Mas não são adequadas para produções que exigem pesquisa, experiência, curadoria, conhecimento, como é o caso de uma aula”, diz Bernardo Soares, pesquisador em educação e tecnologia pela Universidade de Lisboa.

Nesta quarta-feira (17), o governador defendeu o uso do ChatGPT e disse que “não pode deixar de usar a tecnologia por preconceito”. E afirmou que nada vai substituir o papel do professor em sala de aula.

Para Soares, a medida pode até não substituir o docente pela inteligência artificial, mas retira do professor a função de elaborar o que vai ensinar.

“Os professores elaboram a aula não só porque sabem determinado conteúdo, mas porque sabem a melhor forma de ensinar, de conduzir, e conhecem as necessidades dos estudantes. Uma ferramenta de inteligência artificial não tem esse domínio porque elas não foram feitas para isso”, diz o pesquisador.

Desde que Tarcísio assumiu o governo de São Paulo, uma série de medidas de digitalização do ensino foram adotadas. Além das aulas digitais, as escolas passaram a ter que usar aplicativos para correção de redação e lição de casa e até para a chamada de presença.

“É aplicativo para tudo, como se isso fosse a solução para os problemas educacionais. O professor cada vez mais está sendo deixado de lado no processo educativo. E cada vez mais as tecnologias avançam para as funções que eles exerciam como se esse fosse o caminho para melhorar a educação”, diz Soares.

Em nota, a Secretaria de Educação disse que o processo de fluxo editorial com o uso do ChatGPT “ainda será testado e passará por todas as etapas de validação para que seja avaliada a possível implementação”.

Embora a pasta afirme que o processo ainda está em teste, os professores curriculistas já receberam as orientações sobre como devem trabalhar nas próximas semanas.

Segundo a secretaria, a ferramenta vai aprimorar as aulas produzidas anteriormente pelos docentes. “Com a inserção de novas propostas de atividades, exemplos de aplicação prática do conhecimento e informações adicionais que enriqueçam as explicações de conceitos-chave de cada aula.”

“Na sequência, esse conteúdo será avaliado e editado por professores curriculistas em duas etapas diferentes, além de passar por revisão de direitos autorais e intervenções de design. Por fim, se essa aula estiver de acordo com os padrões pedagógicos, será disponibilizada como versão atualizada das aulas feitas em 2023”, diz a nota.

Ainda de acordo com a secretaria, a equipe de produção dos materiais conta com 90 professores curriculistas.

Para Márcia Jacomini, professora da Unifesp, a medida retira do professor o direito constitucional da liberdade de ensino. “O uso das aulas digitais já estava reduzindo a função do professor porque ele não tem autonomia para ensinar da forma e no ritmo que julga necessários. Agora, ele ainda vai ficar subordinado a algo feito por uma ferramenta digital.”

Os especialistas destacam ainda que ferramentas de inteligência artificial utilizam informações que são encontradas na internet, o que não garante que elas sejam verdadeiras ou estejam contextualizadas.

“O ChatGPT usa as informações que são registradas com mais frequência na internet, que não necessariamente são verídicas. Como a secretaria pode confiar na ferramenta para fazer o material didático de 3,5 milhões de alunos? Como pode achar que ela é mais adequada do que um professor que se graduou para ensinar aquele conteúdo?”, questiona.

Eles também destacam que o uso de ferramentas de inteligência artificial tem incorrido em diversas denúncias de plágio, o que pode gerar problemas judiciais ao governo do estado e custos ao erário com eventuais processos por direitos autorais.

Nesta quarta-feira, um grupo de políticos do PSOL entrou representações para que o Ministério Público investigue o caso.

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