SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Nesta semana, estão sendo apresentados os vencedores do prêmio Nobel 2023 nas categorias científicas, literatura e Paz. E volta a pergunta: por que o Brasil nunca ganhou um Nobel?
A resposta, segundo especialistas ouvidos pela Folha, esbarra em diferentes aspectos, sendo os principais o baixo investimento em pesquisa, a qualidade da educação básica no país, e, principalmente, o contexto geopolítico.
Apesar de não listar entre os países que receberam o Nobel, o Brasil teve 147 indicações, de 1901 a 1971, quando estão disponíveis os dados mais recentes, já que a Fundação Alfred Nobel deixa a lista de indicados sob sigilo por 50 anos.
Entre eles, figuram o físico César Lattes, cuja descoberta científica foi laureada, mas ele não; Carlos Chagas e Adolfo Lutz, pela sua contribuição com a saúde pública global, e Fritz Feigl, austríaco radicado no Brasil que trouxe contribuições importantes ao conhecimento de química, sendo o único indicado nesta categoria no país.
Há, ainda, indicados para o prêmio de Literatura, como Jorge Amado e Carlos Drummond de Andrade, e para o da Paz, com inúmeras indicações especialmente na diplomacia brasileira, como Oswaldo Aranha, Afrânio de Mello Franco e Barão de Rio Branco.
Além disso, considerando unicamente o critério de local de nascimento, podemos dizer que o Brasil tem, sim, um laureado: Peter Medawar, ganhador do Nobel de medicina em 1960 pela descoberta da tolerância imunológica, nasceu em Petrópolis (RJ), porém teve sua formação superior e atuação no Reino Unido. Ele fez os primeiros anos da educação básica no país antes de se mudar para o exterior, abrindo mão da nacionalidade brasileira –o que, segundo um primo que continuou no Brasil, ocorreu para fugir do serviço militar obrigatório.
Apesar de ter nascido aqui, seu pai era um comerciante do Líbano. Durante sua adolescência, vinha ao Brasil somente para passar suas férias. Sua pesquisa junto com R. Billingham, na Universidade de Oxford, ajudou a construir as bases para a compatibilidade imunológica em transplantes de órgãos.
“É importante destacar que o Brasil teve muitos ‘nobelizáveis’, que é como nós historiadores de ciência chamamos os candidatos ao Nobel que não foram laureados”, explica o físico Olival Freire Junior, diretor científico do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). “E não é só isso, há diversos exemplos de laureados que elogiaram contribuições de brasileiros, como o físico italiano Giorgio Parisi, laureado em 2021 e que tinha coautores brasileiros em sua pesquisa, e o francês Serge Haroche, que recebeu o prêmio de física em 2012 e, em seu discurso, agradeceu aos brasileiros Luiz Davidovich e Nicim Zagury.”
Nesse sentido, não é possível saber somente a partir da indicação por que tal pesquisador não ganhou, explica Junior, que é também historiador da ciência. “Há um limite da informação, porque nem tudo que é discutido é publicado, e só vamos saber daqui a 50 anos porque cientistas brasileiros atuais não receberam o prêmio. Mas é aquela coisa, o que vale mais, receber uma medalha de ouro ou 147 de prata Não dá para dizer que a pesquisa dos que foram indicados é menos importante do que dos laureados”, diz.
Para Renato Janine Ribeiro, presidente da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), a qualidade da ciência, literatura e papel político-social do Brasil não são menores do que a de outros países que já têm láureas.
“Não somos um país rico e, mesmo assim, estamos entre os dez do mundo em termos de produção de conhecimento científico. É claro que existem algumas áreas em que não seremos os melhores do mundo, mas temos capacidade, se quisermos investir. A questão é que falta muito investimento”, avalia.
Mas, é importante lembrar, não é só a grandeza da descoberta científica que conta na hora de escolher os laureados. Como mostra levantamento feito pela Folha, predominam entre os vencedores homens, americanos e britânicos.
“O comitê de seleção do Nobel tem um viés machista e centrado no Hemisfério Norte. Isso não dá para negar”, afirma a biomédica Helena Nader, primeira mulher eleita para presidir a Academia Brasileira de Ciências, em 2022. “E, falando do contexto global, o mundo não enxerga a gente como produtor de ciência. A América Latina tem uma representação muito pequena entre os laureados, como se fosse irrelevante para o conhecimento científico.”
Apesar disso, a Argentina tem dois prêmios Nobel em categorias científicas, um de fisiologia ou medicina, dado para Bernardo Houssay, em 1947, e outro de química para Luis Federico Leloir, em 1970. E não dá para dizer que a ciência argentina é melhor ou pior do que a brasileira.
“Quando olhamos para a ciência no mundo, a do Hemisfério Norte é mais integrada do que aqui no Hemisfério Sul”, explica a economista Monica De Bolle, professora da Universidade Johns Hopkins e mestre em Imunologia e Microbiologia pela Universidade Georgetown. “Mas as nossas universidades também nasceram ‘ontem’ se compararmos aos países europeus.”
A questão da educação, assim, é fundamental também para entender a complexidade da pesquisa científica no país. “Existe um abismo na educação básica brasileira, nós temos indicadores muito ruins nas principais avaliações. E falta também muita grana, de pesquisa, para garantir funcionamento dos laboratórios, para possibilitar a coordenação científica”, diz.
Um exemplo disso foi o período de turbulência na ciência brasileira nos últimos quatro anos, com bolsas sendo cortadas e universidades federais tendo dificuldades até para pagar contas de luz. “Não dá para querer buscar o Nobel sem antes dar condições de trabalho, auxílios de pesquisa, contratos estáveis. Aí acontece o que temos visto, uma fuga de cérebros, e dá muito mais trabalho trazer de volta quem já foi”, avalia Ribeiro.
Em relação ao prêmio de Economia, há um caráter de subjetividade. “Um vencedor que não é europeu, americano ou britânico foi Ahmad Yassin, que foi um cientista social completo, de origem árabe. E, mesmo assim, ele fez toda a sua formação na Inglaterra”, afirma De Bolle.
Por fim, a barreira linguística é também um dos aspectos que talvez tenham feito com que o Brasil não tenha recebido até hoje o Nobel de Literatura. Mas isso não impediu que o português José Saramago recebesse a láurea em 1998. “A grandeza de escritores brasileiros, como Jorge Amado e Guimarães Rosa, não é menor do que a de outros autores”, diz Nader. “É um problema de quem decide e quem faz lobby.”