Os elogios a João Fonseca, prestes a estrear na chave principal do Aberto da Austrália, em duelo com o russo Andrey Rublev, vêm de todos os lados. De Andy Roddick a Boris Becker, ambos ex-número 1 do mundo, o nome do brasileiro tem sido citado sempre acompanhado de elogios no universo do tênis. Fernando Meligeni, ex-top 25 e hoje comentarista da ESPN, faz coro aos entusiastas do astro carioca de 18 anos, mas não dispensa a dose de cautela necessária na hora de analisar um esporte que envolve tantas variáveis.
Ter Fonseca entre os melhores tenistas do mundo é um sonho muito possível para o tênis brasileiro. Meligeni vê isso acontecendo em algum momento no futuro próximo, mas entende que pode ser necessário esperar mais um pouco para colher esse fruto e alerta que imprevistos podem ocorrem no caminho.
“Lógico, é natural olhar para o jogo dele e falar que ele pode ascender rapidamente. Mas quem esteve lá mesmo, sabe que uma derrota tira confiança. Você perde três, quatro jogos, e, então, a ideia de que você seria top 50… você começa a jogar mal três, quatro torneios, dá uma duvidada. Ou você ganha do Rublev, estava em pensando ser 100, mas agora é 60, 40, até 20 e não sabe para onde vai. É muito relativo”, disse ao Estadão.
“Acho que, se você conversar com o interno dele (equipe de Fonseca), o que menos deve estar preocupando eles é quando ele vai chegar. E sim, construir uma carreira, um processo bem colocado. Pode demorar um ano, seis meses ou dois anos. Mas que ele vai se meter, isso para mim é certeza. Se nada muito estranho acontecer. Não tendo nenhum problema maior, ele se mete. Agora, se meter esse ano, a gente vai ter que “reconversar” e falar: ‘caramba, que rápido'”, completou.
Embora considere difícil fazer previsões sobre o desempenho futuro de tenistas, Meligeni acredita que é possível visualizar João Fonseca terminando o ano pelo menos dentro do top 50. Para ele, hoje, este é um cenário mais fácil de prever do que foi o título conquistado por Guga em Roland Garros em 1997, por exemplo.
“Eu jogava do lado dele, contra ele. Se você me falasse três semanas antes que ele ganharia Roland Garros, eu ia falar que não, certeza absoluta e coloco minha casa e meu carro em jogo. Ia perder minha casa e meu carro. Por isso, se você fala para ele: ‘Guga, você vai ganhar Roland Garros daqui a três semanas’, ele iria dar risada da sua cara, e falar que a gente é louco. É mais previsível pensar que o João vai ser 50 do mundo em pouco tempo, até o final do ano, do que pensar que o Guga ia ganhar Roland Garros. São chutes, previsões muitos difíceis”, pontuou.
A expectativa que já se tinha sobre Fonseca cresceu ainda mais depois que ele passou pelas três rodadas do qualifying do Major australiano sem perder um set, aumentando para 13 sua série de vitórias, que inclui os títulos do Next Gen e do Challenger de Camberra. Para ampliar a sequência de triunfos, terá de passar por Andrey Rublev, número 9 do mundo. O russo oscilou um pouco nos últimos meses e é conhecido pelo temperamento explosivo. Mesmo assim, não há como não colocá-lo como favorito à vitória, até porque ele é se mantém no top 10 do mundo há quase cinco anos.
“Eu acho que a gente não pode olhar como ‘Rublev está em uma boa fase ou não’. É um top 10. A boa fase não é por um dia. O cara que é top 10 praticamente nunca está em má fase, então tem de ter o respeito pelo gigante que é o Rublev. Acho que a gente tem várias maneiras de olhar isso. Principalmente, a gente tem de ter muito cuidado quando a gente fala do Fonseca porque nesse momento parece que ele é o 10 do mundo e já está querendo colocar uma pressão de ele ter de fazer um papel acima do que se espera”, opinou Meligeni.
“É o primeiro Grand Slam dele, primeiro jogo contra um top 10 em um Grand Slam. Jogo duríssimo, contra um cara muito favorito dentro de jogo. Isso não quer dizer que ele não tenha chance. Ele joga muito bem. Muito mais do que a gente esperar, a gente vai poder analisar. A espera, mesmo ele, mesmo o time, estão lá para fazer o melhor jogo que podem e, se tiver a oportunidade, tentar ganhar, obviamente. Depois, a gente tem muito mais a analisar pós-jogo, do que antes do jogo. Muito difícil, muito interessante. Dois jogadores que jogam de forma parecida, na pancadaria o tempo inteiro”, concluiu.
A situação pode ficar mais complicada para Fonseca se forem necessários quatro ou cinco sets para decidir a partida. Como nunca jogou a chave principal de um Grand Slam, na qual é preciso vencer três sets para eliminar o adversário, está habituado apenas aos jogos de no máximo três sets. O duelo com Rublev, portanto, também pode ser um teste físico e mental para o jovem de 18 anos.
“É um cara que está acostumado a jogar cinco sets contra um cara que nunca jogou. Se for um jogo dramático, de quatro, cinco sets, a gente não sabe como o físico e a mente do João vão lidar, porque ele nunca teve essa experiência. Em Grand Slam, a adrenalina é diferente. As pessoas imaginam: ‘é cinco sets, então se demorar duas horas e meia, eu já joguei jogo de três sets e duas horas e meia’. O problema é a atenção durante tanto tempo, o que faz uma diferença absurda. É difícil você mensurar se você nunca jogou… Eu estou esperando sentado para ver como esse jogo vai ser, e a partir dali analisar. A gente vai ter uma ideia melhor do momento do João”, afirmou Meligeni.
Quanto ao frisson do público ao redor do jovem tenista, especialmente nas redes sociais, Fininho não vê como algo prejudicial e entende que é o momento de o torcedor brasileiro curtir o nascimento de uma possível estrela, mas sem deixar de lembrar dos demais tenistas do País.
“Você não pode tirar essa euforia. O público tem mais que fazer meme, enlouquecer, falar que ele vai ser número 1 do mundo, e está tudo certo. Acho que nós temos que segurar a euforia… jornalistas, pessoas especializadas, cada um na sua área. Acho que esse é o ponto de tomar cuidado. O público tem de curtir. A gente curtiu os momentos da Bia também. Isso faz parte da essência, querendo ou não”, disse.
“Estamos todos eufóricos. Só que não esqueçamos dos outros grandes jogadores que o Brasil tem. Isso é uma coisa que a gente faz muito. A gente se apaixona por um e esquece dos outros. A gente tem uma jogadora que é 20 do mundo (Bia Haddad), o Wild (Thiago) top 70. Tem o Monteiro como uma carreira consolidadíssima. Merecem atenção, respeito, espaço. Se não, a gente sempre vai ser um país de um jogador só”, completou.
Leia Também: Vinícius Júnior negocia compra de time português por 10 milhões de euros