Pessoas com mais de 60 anos vão ter seleção exclusiva na graduação da UNB

(FOLHAPRESS) – Aos 69, Fernando Grave se orgulha em dizer que é o aluno mais velho do bacharelado em história da arte na UnB (Universidade de Brasília). Mas, a partir de 2024, isso pode mudar: a instituição vai dar início a um processo seletivo exclusivo para pessoas com mais de 60 anos que queiram entrar na graduação.

A iniciativa é parte de uma política da universidade voltada a pessoas com mais de 60 anos, com objetivo de aumentar o número de alunos mais velhos nos cursos e projetos de pesquisa e extensão, além de tornar o envelhecimento tema de mais estudos na instituição.

“O processo seletivo exclusivo é um convite e um reconhecimento às pessoas idosas para que elas ajudem a tornar a UnB mais diversa e plural”, afirma Elen Cristine Geraldes, presidente da Comissão do Envelhecimento Saudável da instituição.

O concurso será composto por apenas uma prova de redação, que não vai cobrar conteúdo de ensino médio. A universidade ainda não definiu o número de vagas nem quais departamentos devem receber os estudantes.

No preparo para a chegada de alunos acima dos 60 anos, a UnB vai oferecer aos professores e estudantes um curso de enfrentamento ao idadismo -ou etarismo-, preconceito contra pessoas idosas.

Segundo Elen Geraldes, as aulas vão tratar dos desafios desse grupo, do convívio entre gerações e do papel da universidade em combater o preconceito contra os mais velhos.

“Para atingir esse objetivo, é fundamental enxergar outros aspectos do envelhecimento, ganhos emocionais, cognitivos e físicos de ser idoso. Mostrar que muitas limitações atribuídas à idade são da sociedade que não se preocupa com as demandas da pessoa idosa”, afirma.

Uma questão na inclusão dos idosos na universidade é o uso de tecnologias. Embora o número de pessoas com mais de 60 anos que utilizam a internet esteja aumentando, a taxa de usuários é a menor entre as faixas etárias, 62%. A maioria dos idosos que não acessam a web é por não saber usar.

Os dados são do módulo de Tecnologia da Informação e Comunicação da PNAD Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), divulgado em novembro deste ano.

De acordo com Geraldes, essa questão pode ser abordada no curso sobre idadismo. Ela diz que o letramento digital é também uma responsabilidade do governo, e não só das universidades.

Fernando Grave, aluno de história da arte na UnB, afirma que um dos principais desafios ao longo do curso foi fazer as tarefas pelo computador, por não ter muita afinidade com tecnologia.

Ele contou com o apoio de colegas de trabalho que o ajudaram a mexer nas ferramentas virtuais. “Tive dificuldade e ainda tenho, mas melhorei muito. Eu falava que não conseguia fazer e pedia ajuda, então fui aprendendo muita coisa.”

Fernando, servidor do departamento administrativo da universidade desde 2012, entrou na faculdade em 2019, depois de fazer o Enem. Ele diz que foi complicado relembrar o conteúdo, mas teve ajuda das filhas para prestar o vestibular. Segundo Fernando, escolheu o curso porque sempre foi interessado em arte.

O aluno, já nos últimos semestres da graduação, declara nunca ter sido vítima de preconceito por ser idoso. “Sempre fui o de mais idade, mesmo entre os professores. Eu falo: sou mais velho aqui, então me respeitem”, brinca.

Segundo a UnB, entre os 40 mil alunos de graduação, 132 têm mais de 60 anos, 0,33% do total. Cerca de 11% da população do Brasil tem mais de 65 anos, de acordo com o último censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Cada vez mais iniciativas voltadas a pessoas nessa faixa etária vão surgir nas universidades, de acordo com Rosa Chubaci, professora de gerontologia da USP. O fenômeno acompanha o envelhecimento da população, tendência detectada por pesquisa do IBGE divulgada em outubro.

O Estatuto da Pessoa Idosa determina que o poder público deve dar acesso à educação para quem tem mais de 60 anos, adaptando metodologias e materiais, se necessário. Nesse sentido, as universidades públicas também compõem o sistema de atenção aos idosos.

O papel das instituições de ensino superior em oferecer serviços a esse grupo foi consolidado em 2017, após aprovação de uma lei que torna obrigatória a oferta de cursos para idosos nas faculdades.

Neste ano, a Universidade Federal do Sergipe também fez um processo seletivo exclusivo para pessoas com mais de 60 anos, com 11 vagas em cursos de graduação no segundo semestre de 2023.

Pelo país, várias instituições oferecem as chamadas Universidades Abertas da Terceira Idade, com oficinas que ensinam desde dança a noções básicas de psicologia, além de prestar assistência de saúde para quem está nessa faixa etária.

Na USP, por exemplo, há cursos voltados a ajudar idosos a mexer em smartphones e redes sociais. Rosa Chubaci, professora da universidade, diz que esse tipo de iniciativa poderia ser adotada para os novos alunos da UnB.

“Pode haver alguma oficina nessa área de inclusão digital para que eles possam se sentir empoderados. A questão não é facilitar o ensino, é fazer com que eles também aprendam”, afirma.

Segundo Chubaci, trabalhos que estimulam o aprendizado, como a graduação ou cursos curtos, são importantes para os mais velhos. Ela diz que esse tipo de projeto compõe o envelhecimento ativo, quando a pessoa permanece fazendo atividades físicas, sociais e educacionais, capazes de promover saúde física e mental.

Márcia Abrahão, reitora da UnB, afirma que a instituição tem investido em se tornar mais plural. Isso incluiu a criação de políticas e centros dedicados aos direitos humanos.

“Temos muito a crescer. Muito mais do que olhar números, queremos fazer da UnB um espaço acolhedor e estimulante para esse grupo realizar seus sonhos e objetivos e contribuir para a construção do conhecimento.”

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