Osmar Prado rejeita convites da Globo para retornar aos palcos em ‘Veneno do Teatro’

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Osmar Prado tem o ímpeto de um jovem ator. Aos 76 anos, ele se orgulha em exercer a profissão, faz planos, sonha e, sem falsa modéstia, comemora o êxito de sua carreira, se emocionando com a beleza da vida. Ele saca o telefone do bolso e, deslizando os dedos sobre as imagens da tela, lembra de papéis antigos, repassa cenas de família e discorre sobre sua obsessão pelo motociclismo. Prado mostra as suas motos como quem apresenta os filhos.

“Tenho uma oficina em casa, sou o meu mecânico. É uma questão de defesa pessoal”, diz ele, bem-humorado, ao término de um ensaio da peça “O Veneno do Teatro”, que estreia nesta sexta-feira, no Sesc Santana. Com a mesma vitalidade, ele emenda um papel no outro, na televisão e no cinema, voltando aos palcos depois de uma década.

Ao contrário do senso comum, Prado afirma ser o mesmo ator em qualquer uma das linguagens. Ele diz que o afastamento do teatro não foi planejado, mas se deveu a contingências da carreira agitada.

Afinal, ele acabou de aparar a longa barba que lhe cobria a face. Por meses a fio, o público viu Prado como o Velho do Rio, da recém-encerrada novela “Pantanal”, da Globo.

Para a volta aos palcos, ele recusou dois convites da emissora, um para o folhetim “Guerreiros do Sol”, com previsão de estreia para 2025, e outro para o remake de “Renascer”. Nem a possibilidade de interpretar novamente Tião Galinha, 30 anos depois da primeira versão, pareceu tentadora a ele. Prado não hesitou ao dizer “não” à indústria.

“Eu sempre incomodei e vou continuar incomodando. Na primeira versão, eu tive uma queda de braço por questões financeiras e pedi para matar o personagem antes do previsto”, afirma, projetando o vozeirão que cabe em seu 1,60 metro de altura. Sem contrato fixo com a Globo desde 2022, ele aproveita a liberdade que o teatro pode dar ao ator.

“Tenho o privilégio de dizer que eu crio todos os meus personagens como quero, até Che Guevara eu já citei em novela da Globo”, diz ele, conhecido pelo ideal progressista e por ter apoiado a eleição do presidente Lula, do PT.

Sua presença na montagem criada por Eduardo Figueiredo significa uma intervenção no texto original. Escrita em 1978 pelo renomado dramaturgo espanhol Rodolf Sirera, “O Veneno do Teatro” já foi encenada em 62 países. O texto remonta aos anos posteriores à queda de Franco, na Espanha. Não à toa, a ação é ambientada na França pré-revolucionária, que denuncia as diferenças entre as classes sociais.

A peça conta a história do encontro entre um Marquês, interpretado por Prado, e o ator Gabriel de Beaumont, vivido por Maurício Machado. O nobre escreve uma peça inspirada na morte de Sócrates e deseja que o ator dê vida ao personagem principal, adotando a interpretação mais realista possível.

Pouco a pouco, o Marquês se mostra um psicopata, controlando a mente do ator. Na disputa entre dominador e dominado, a peça se torna um thriller psicológico compacto, delimitado por uma interação entre dois atores durante 50 minutos.

De imediato, se identifica a natureza metalinguística do texto, que examina os fundamentos da linguagem teatral. Na busca pelo realismo, há uma crítica à pieguice dos métodos clássicos de direção, segundo os quais ator e personagem, na realidade e na ficção, devem comungar do mesmo sentimento.

No cenário, o duelo se materializa num tabuleiro de xadrez, que cobre o palco. Acima dele, fica um imenso relógio, posto ali para imprimir ansiedade ao thriller. Musicalmente, o violoncelista Matias Roque Fideles pontua as tensões da trama.

A peça faz uma homenagem à era de ouro do teatro espanhol, entre os séculos 16 e 17. Do período, surgiu a ideia que perpassa toda a obra, que apresenta uma peça dentro de outra peça. Para o dramaturgo Pedro Calderón de La Barca, um dos maiores dramaturgos dessa época, o mundo é um teatro, e é impossível distinguir o mundo real da ficção.

Não é a primeira vez que Prado encarna um psicopata no teatro. Há duas décadas, ele causou polêmica ao encarnar Adolf Hitler em “Uma Rosa para Hitler”, de Roberto Vignati e Greghi Filho. Na época, parte da crítica se incomodou com sua humanização do personagem. O ator defende o papel até hoje e pensa ser importante representar o nazismo.

“É claro que existe uma indústria de entretenimento sobre o nazismo, mas tudo depende de quem é o artista que vai representar esse período”, diz ele. “É importante compreender o passado. Hitler, de fraldas, era um bebê lindo. Quem pode dizer quais personagens eu devo fazer? Ninguém pode me censurar.”

Apesar do orgulho que sente por atuar em diversos meios, Prado tem consciência de ter a carreira ligada à história da teledramaturgia. Atualmente, ele tem críticas ao formato. “Eu nunca vi uma novela, no máximo olhava as cenas que eu fazia”, afirma. “Acho que hoje há um desaparecimento de bons diretores, que são os grandes criadores.”

Ele tinha dez anos quando integrou o elenco de “David Copperfield”, uma adaptação do romance de Charles Dickens para a TV Paulista, que daria origem à Globo. O primeiro papel na emissora carioca veio em 1965, com a novela “Ilusões Perdidas”, inspirada em Honoré de Balzac. Três anos mais tarde, após uma curta passagem pela TV Excelsior, Prado assinou o contrato fixo com a Globo, atuando em “Verão Vermelho”.

Ele lembra de ter pegado o início do uso de videotape. “Se eu errasse, tinha de fazer tudo de novo, porque fazíamos novela como teatro. Mesmo com a tecnologia, penso que a minha atuação continuou a mesma”, diz. Nos anos 1970, teve sua primeira briga, quando a Globo o tentou lançar como galã em “Bicho do Mato”. “Eu desobedeci. Jamais seria um galã, sou um ator característico.”

De lá para cá, Prado criou um universo próprio, interpretando tipos caipiras, estrangeiros ou personagens históricos. Em 1988, foi o italiano Pietro em “Vida Nova”, de Benedito Ruy Barbosa. Quinze anos depois, encarnou o caipira Margarido, em “Chocolate com Pimenta”, de Walcyr Carrasco. Na mesma época, seu personagem Lobato, o dependente químico de “O Clone”, escrita por Glória Perez, teve ampla repercussão.

Mas Prado afirma que nunca deixa os seus personagens dominarem sua vida pessoal. É como pilotar uma moto. “Eu estou sempre no comando”, diz.

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