Ao menos 20 motoristas de aplicativos foram feitos reféns e sofreram extorsão por traficantes após serem atraídos para falsas corridas na noite da quinta-feira, 30, na Ilha do Governador, zona norte do Rio de Janeiro. Levados para o interior da comunidade, no Morro do Dendê, eles foram ameaçados e tiveram de fazer pagamento em dinheiro ou via Pix para os suspeitos.
Conforme a Polícia Civil, os crimes são praticados por traficantes que se uniram a milicianos, conhecidos como narcomilicianos.
A ação desses grupos é investigada pelo Ministério Público do Rio (MP-RJ), que já ofereceu denúncia contra sete suspeitos.
De acordo com o relato à polícia, ao chegar no local da corrida, os motoristas foram rendidos por traficantes e levados sob ameaça para o morro.
Lá, eles foram obrigados a pagar uma “taxa de segurança” em valores que variavam de R$ 60 a R$ 150 em espécie, ou via Pix.
Motoristas que não eram da Ilha do Governador tiveram a placa do veículo anotada e foram avisados de que não poderiam trabalhar na região. Caso fossem flagrados lá, também foram alertados que sofreriam um “esculacho”, o que, na linguagem do tráfico, significa a humilhação e agressão em público.
O caso está sendo investigado pela 37ª Delegacia de Polícia da Ilha do Governador. Em nota, a Polícia Civil do Rio informou que as “investigações estão em andamento para identificar possíveis suspeitos e esclarecer todos os fatos”.
Já a Polícia Militar disse que a participação da população é determinante no combate a crimes como extorsão e exploração clandestina de serviços. Disse ainda que uma parceria com as empresas de aplicativos de transportes permite o uso de um canal de ligação direta de motoristas e passageiros com os operadores do Centro de Controle Operacional da PM para denúncias em tempo real.
Promotoria pede prisão de sete membros de facção
Na terça-feira, 28, o MP divulgou ter apresentado denúncia e pedidos de prisão preventiva contra sete integrantes da facção Terceiro Comando Puro (TCP) por extorsão a motoristas de aplicativos, mototáxis e táxis na Ilha do Governador.
Conforme o promotor Sauvei Lai, da 2ª Promotoria de Justiça de Investigação Penal Territorial da Ilha do Governador e Bonsucesso, os traficantes exigiam pagamento a motoristas de aplicativos, mediante grave ameaça de morte e com emprego de armas de fogo.
Segundo as duas denúncias apresentadas à Justiça, os integrantes da facção TCP controlam o tráfico na Comunidade do Dendê, da Pixunas e na maioria das comunidades da Ilha do Governador.
“Eles expandiram seus negócios ilegais, organizando-se como narcomilícia e passando a cobrar ‘taxas’, por meio de extorsões contra motoristas de aplicativos, mototáxis e de táxi, dentro da área territorial em que exercem domínio no citado bairro”, diz a nota do MP.
Ainda segundo a promotoria, para atuar como motoristas na região, as vítimas eram obrigadas a efetuar pagamentos semanais de R$ 150 e a se cadastrar na ‘Cooperativa do Crime’ ou na ‘Cooperativa da Extorsão’, criadas pelos bandidos na Comunidade do Dendê, onde são feitos os pagamentos e os cadastros dos motoristas extorquidos.
Os traficantes passaram a obrigar o uso de adesivos fornecidos por eles para identificar os motoristas cadastrados e que cumprem as exigências dos criminosos.
À 5ª Vara Criminal, foram denunciados cinco suspeitos, entre eles Mario Henrique Paranhos de Oliveira, vulgo ‘Neves’ ou ‘Nem’, apontado como mandante e responsável por ordenar as atividades ilícitas, que se encontra preso.
Outros dois suspeitos foram denunciados à 35ª Vara Criminal do Rio. Oliveira foi condenado por participação na chacina que resultou na morte de 12 pessoas, em outubro de 2003. A Justiça ainda analisa os pedidos.
Conforme o promotor, os criminosos repetem o mesmo modus operandi empregado na Ilha do Governador pela facção TCP que, durante muitos anos, foi comandada por Fernando Gomes de Freitas, vulgo ‘Fernandinho Guarabu’, e Gilberto Coelho de Oliveira, vulgo ‘Gil’, que eram os líderes do tráfico de drogas no Morro do Dendê e se associaram com o miliciano Antônio Eugênio de Souza Freitas, o ‘Batoré’.
Os três foram mortos, em 2019, durante operação policial realizada para detê-los, quando resistiram à prisão.
Ex-policial militar, ‘Batoré’ havia sido condenado a 317 anos de prisão por organização criminosa, lavagem de dinheiro, extorsão, incêndio e falsidade ideológica, segundo o Tribunal de Justiça do Rio.
A reportagem entrou em contato com as empresas 99 e Uber e aguarda retorno.
O Estadão entrou em contato com a defesa de Mario Henrique Paranhos de Oliveira e ainda não obteve retorno.
A reportagem não conseguiu contato com defensores que atuaram nos casos de Fernando Freitas, Gilberto Oliveira e Antônio Freitas, deixando o espaço aberto para manifestação.