Morte de universitária de 22 anos dispara movimento contra feminicídio na Itália

MILÃO, ITÁLIA (FOLHAPRESS) – Na Itália, mais de cem mulheres já foram assassinadas neste ano, mais da metade sendo vítimas de parceiros ou ex-parceiros. Apesar de feminicídios serem frequentes na cobertura policial de jornais e emissoras, o caso de Giulia Cecchettin, nas últimas semanas, fez o tema da violência contra as mulheres virar um debate nacional, envolvendo escolas primárias, forças políticas, protestos de rua e celebridades.

Depois de uma semana desaparecida, a universitária de 22 anos teve o corpo encontrado no último dia 18, perto de um lago no norte do país, com diversas perfurações na cabeça e no pescoço. Moradora de uma cidade perto de Veneza, ela havia sumido depois de sair para encontrar o ex-namorado, Filippo Turetta, 21. Os dois se conheceram na Universidade de Pádua, onde ela estava prestes a se formar em engenharia.

Turetta continuou desaparecido após a localização do corpo, mas acabou preso na Alemanha e extraditado para a Itália. Na última terça-feira (28), ele foi interrogado pela primeira vez, em Verona, mas se valeu do direito de ficar em silêncio. Segundo seu advogado, ele confirmou, no entanto, uma declaração feita à polícia alemã, a quem admitiu ter matado Cecchettin. Ele é acusado de homicídio voluntário qualificado por vínculo afetivo e sequestro.

De janeiro a hoje, segundo o Ministério do Interior, 107 mulheres foram vítimas de homicídio na Itália, sendo 88 no núcleo familiar e afetivo. Dessas, 56 foram assassinadas por parceiros atuais ou antigos. Os dois primeiros números mostram leve queda em relação ao ano passado, enquanto o terceiro apresenta leve alta. No Brasil, foram registrados no primeiro semestre 722 feminicídios, leve alta em relação a 2022. Na comparação, a taxa de feminicídio nos primeiros seis meses deste ano foi de 0,16 a cada 100 mil italianas e de 0,69 a cada 100 mil brasileiras.

O caso de Cecchettin, acompanhado pelos italianos desde as primeiras horas da denúncia de seu sumiço, tem tido enorme repercussão. Em instituições de ensino que iam de escolas primárias a universidades, ocorreram atos de homenagem e de conscientização. Nos canais de TV, debates e entrevistas trataram da importância de denunciar episódios de violência e discutiram o peso do patriarcado –atraindo, por sua vez, críticas de vozes conservadoras.

Para Luisa Stagi, professora de sociologia da Universidade de Gênova especializada em estudos de gênero, o clamor em torno do caso tem a ver com a tendência da sociedade italiana de considerar a violência como um fato excepcional.

“Tendemos a pensar que ela está relacionada a algumas faixas da população, à patologia de uma pessoa, como se fosse uma maçã podre, algo distante. Esse caso mostrou o que há anos estamos dizendo: a violência masculina contra as mulheres é um fenômeno sistêmico, cotidiano e está dentro das casas”, diz ela.

“O fato de que tenham sido dois jovens estudantes de famílias que pareciam perfeitas é chocante, mas a violência estava também ali porque é parte de um sistema cultural com raízes profundíssimas.”

Na tentativa de oferecer respostas, a classe política entrou no debate. “Cada mulher morta por ter a ‘culpa’ de ser livre é uma aberração que não pode ser tolerada”, comentou a primeira-ministra Giorgia Meloni, primeira mulher chefe de governo da Itália, logo após o corpo ter sido localizado.

Nos dias seguintes, no Senado, partidos do governo e da oposição aprovaram, com unanimidade, um pacote de leis que reforçam a prevenção de crimes contra as mulheres. Entre os 19 artigos do texto proposto pelo governo, há o endurecimento de penas, a possibilidade de prisão em flagrante baseada em vídeos e prazos mais rápidos para medidas cautelares.

Outra iniciativa, apresentada pelo Ministério da Educação, atraiu menos consenso ao prever a introdução de 30 horas por ano de “educação para relacionamentos” aos adolescentes matriculados no ensino médio. O curso, no entanto, é extracurricular e tem adesão facultativa, mediante aprovação das famílias. O projeto está em fase de desenvolvimento.

“São ações muito limitadas. Aumentar penas criminais pode até tranquilizar, mas não é a solução. É preciso uma preparação radical de educadores e financiamento de centros contra a violência, por exemplo”, diz a socióloga.

Em 25 de novembro, Dia Internacional pelo Fim da Violência contra a Mulher, os protestos anuais organizados por grupos ativistas como o Non Una di Meno (nenhuma a menos) foram engrossados pela nova onda de comoção. Em Roma, autoridades estimam que cerca de 500 mil pessoas participaram da manifestação.

Segundo pesquisa do instituto YouTrend divulgada nesta terça-feira (28), como efeito da morte de Giulia Cecchettin, o percentual de italianos que afirma que o feminicídio é um crime mais grave do que o homicídio comum subiu 12 pontos em dois meses, de 46% em setembro para 58%.

“Esse caso deixará efeitos. Estive no protesto em Roma e a grande novidade foi a presença de uma série de homens e jovens que se sentem parte do problema. Isso é revolucionário”, diz Stagi.

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