SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Por onde vai, Alena Eudoxie, 6, leva sua Mônica. A boneca acompanha a menina de sorriso tímido nas refeições, nas aulas e nas consultas em Curitiba, cidade à qual chegou após percorrer mais de 4.000 km para realizar um transplante de medula óssea.
Alena conheceu a personagem de Mauricio de Sousa no Brasil. O diagnóstico de leucemia também foi obtido no país, destino sugerido pelo médico de Georgetown, capital da Guiana, ao ver que o estado de saúde da garota piorava a cada dia.
Os sintomas de Alena começaram em 25 de outubro de 2022. Ela e a mãe, Alice, buscaram ajuda no centro de saúde da comunidade em que a família mora, mas tudo que conseguiram foi um remédio para aliviar a dor no corpo, a febre e a dor de cabeça.
“Depois que ela ficou doente, perdeu tudo. Ela perdeu suas lembranças, não se lembrava nem de seu nome”, narra Alice. “Minha família pensava que ela não sobreviveria, mas a Alena é muito forte.”
Na segunda semana de dor constante, mãe e filha foram para Georgetown e, após três dias na capital, seguiram para Boa Vista, na primeira viagem para fora do país. Em Roraima, a menina parou de andar e de falar. Ela vomitava, continuava sentindo dor e não conseguia mais abrir os olhos. “Era como se não estivesse mais viva”, recorda Alice.
Veio então a causa para tudo aquilo. Alena tinha leucemia mieloide aguda, uma doença difícil de pronunciar e mais ainda de entender quando seu idioma é diferente do usado pela equipe de saúde. Para compreender o que acontecia, Alice tentava aprender português e fazia perguntas –em inglês mesmo– até obter alguma informação que conseguisse interpretar.
“Eu nunca tinha ouvido falar sobre leucemia. Para todo mundo eu perguntava: ‘O que é leucemia Que tipo de doença é essa’. Algumas pessoas me diziam que tinha cura e outras que não.”
CEO da Abrale (Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia) e líder do Movimento Todos Juntos Contra o Câncer, a médica Catherine Moura afirma que a falta de informação é a primeira dificuldade no enfrentamento à leucemia. “Embora seja o tipo de câncer mais comum em crianças e adolescentes, ela ainda é desconhecida por grande parte da população e até mesmo na área da saúde.”
“Os tratamentos para a leucemia em crianças e adolescentes apresentam excelentes resultados, incluindo a cura na maior parte dos casos. Muitos deles estão disponíveis no SUS. Mas é preciso que o tema seja falado com mais frequência”, defende.
NECESSIDADE DE TRANSPLANTE
Alena foi encaminhada para o Hospital de Brasília, onde foi levada diretamente para a UTI. Aos poucos, os movimentos foram voltando e a doença foi controlada com quimioterapia, mas ficou claro que ela precisaria de transplante.
“Como vão encontrar esse doador? Quem é essa pessoa Por quanto tempo ela vai receber esse novo sangue? Vou gastar dinheiro? Tenho que pagar para esse doador?”, diz Alice sobre algumas das perguntas que surgiram com a notícia.
Nem todos os pacientes com leucemia necessitam do transplante de medula óssea. Para a maioria, a quimioterapia é suficiente para combater a doença, explica Cilmara Kuwahara, médica do Serviço de Transplante de Medula Óssea do Hospital Pequeno Príncipe, em Curitiba, onde Alena realizou o procedimento.
No caso da menina, os exames mostraram que Alice não poderia ser doadora e a equipe de Brasília buscou então um local que realizasse o transplante entre pessoas sem parentesco.
“A maior parte dos serviços que realizam esse procedimento pelo SUS está localizada na região Sudeste e há alguns na região Sul, então os pacientes acabam tendo de fazer essa peregrinação”, diz Kuwahara.
“Seria importante que mais serviços de saúde pudessem realizar o procedimento no país, para atender a demanda”, pondera Moura. “Mas é preciso lembrar que este é um tratamento que exige muito cuidado e conhecimento técnico, por isso é preciso pensar na segurança global do paciente e também nos conhecimentos técnicos da equipe profissional.”
DESAFIO PARA ENCONTRAR DOADORES
A partir do momento em que a equipe de saúde identifica a necessidade de um doador não aparentado, os dados do paciente e os resultados de seus exames são repassados ao Redome (Registro Brasileiro de Doadores Voluntários de Medula Óssea), que busca opções compatíveis no país e no exterior.
No Brasil, esse processo é impactado pela miscigenação. “A população brasileira é geneticamente diversa devido à mistura de diferentes grupos étnicos. Assim, há diferentes perfis genéticos, o que torna mais difícil encontrar um doador compatível fora da família”, diz Moura.
Além disso, apesar de o Redome ter mais de 5,6 milhões de voluntários cadastrados, falta uma maior representatividade de doadores negros, indígenas e asiáticos nesse grupo. “Pacientes caucasianos têm mais facilidade de encontrar doadores compatíveis”, complementa Kuwahara.
As médicas destacam também a necessidade de manter o cadastro de doador atualizado e ter a consciência de que não se escolhe a pessoa para quem a medula será doada.
Alena recebeu a doação no dia 3 de agosto e seguirá em Curitiba até novembro para acompanhar as respostas de seu corpo ao transplante. Depois disso, Alice planeja se estabelecer em Boa Vista com a pequena e com a filha de 15 anos que ficou na Guiana.
Até lá, a mãe espera que Alena retome a alegria que tinha antes da doença e aprenda português com as aulas que frequenta na companhia de sua Mônica.
“Eu quero dizer algo em português agora”, avisa Alice. “Eu quero agradecer as pessoas do Pequeno Príncipe, os doutores, as enfermeiras, as técnicas, todo mundo. Eu quero agradecer também quem doou para a Alena. Eu sei que vai demorar para conhecer essa pessoa, mas um dia eu quero conhecer e dizer: ‘Muito obrigada’. Eu tenho certeza que ela vai ler isso. E ela sabe, seja quem for, que ajudou.”