BRASÍLIA, DF E SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O presidente Lula (PT) sancionou alguns pontos e vetou outros sobre o projeto de flexibilização de uso de agrotóxicos no país.
Apelidado por ambientalistas de “PL do Veneno”, o texto aprovado no Congresso centralizava no Ministério da Agricultura o registro de novos produtos, esvaziando as atribuições da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis).
Ao vetar esses pontos, Lula pretende restabelecer o modelo regulatório tripartite de registro e controle de agrotóxico, um tipo de estrutura seguido por agências regulatórias também de outros países.
Segundo integrantes do governo, o veto evita que as avaliações ambientais e de saúde passem a ser conduzidas, exclusivamente, pelo Ministério da Agricultura, sem conhecimento técnico para análise de riscos.
O presidente sancionou, porém, artigos da lei que impõem prazos mais curtos para análise de registros de agrotóxicos. Agora, o processo de produtos novos deverá ser concluído em até 24 meses, enquanto agrotóxicos com fórmulas idênticas a outros já aprovados terão prazo de 60 dias.
O Congresso irá analisar, na volta do recesso, se mantém ou derruba os vetos. Em 2023, o governo tentou barrar avanços da bancada ruralista na Casa, mas não teve sucesso. Agora, isso pode voltar a ocorrer.
Isso aconteceu, por exemplo, em relação à derrubada do veto ao projeto que institui um marco temporal para demarcação de terras indígenas.
Os vetos de Lula no caso dos agrotóxicos dividiram o próprio governo. O Ministério da Agricultura pediu que o projeto fosse sancionado de forma integral. O argumento contra o veto é que o modelo tripartite vai causar um descompasso, com prazos distintos em cada órgão, e que os técnicos da Agricultura já iriam levar em consideração as análises da Anvisa e do Ibama.
No entanto, o veto ao superpoder foi defendido pelos ministérios da Saúde, Meio Ambiente, Trabalho e até o da Fazenda.
Também foi vetado por Lula o dispositivo que autorizava o Ministério da Agricultura e o Ibama a deferirem pedidos de produtos à base de ingrediente ativo em reanálise mesmo antes da conclusão do procedimento.
O petista também derrubou o trecho que dispensava empresas de colocarem nas embalagens a advertência de que o recipiente não pode ser reaproveitado.
Ao todo, foram 14 pontos vetados por Lula. Na maioria deles, a justificativa apresentada pelo governo foi de que se tratavam de medidas inconstitucionais ou que poderiam representar risco ao meio ambiente e à saúde humana.
O PL estava em tramitação no Congresso desde 1999, quando foi apresentado inicialmente pelo ex-ministro da Agricultura e ex-governador de Mato Grosso Blairo Maggi, à época senador da República.
O avanço do projeto foi acordado ainda durante a transição de governo. Na época, no apagar das luzes do Congresso no ano de 2022, a Comissão de Agricultura (CRA) chegou a pôr a proposta na pauta.
REAÇÕES
A aprovação do projeto pelo Senado, em novembro, provocou reação de diversas organizações ligadas à saúde pública e proteção do meio ambiente, que entregaram manifesto ao presidente Lula durante a COP28, conferência do clima da ONU, em oposição à proposta.
A Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, que assinou o manifesto, considerou que “o veto parcial do presidente Lula, embora seja um ato importante, é insuficiente para resolver os inúmeros problemas causados pela nova lei e as inconstitucionalidades apontadas pelos movimentos sociais e órgãos científicos”.
Entidades como a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva) e ANA (Articulação Nacional de Agroecologia) integram a articulação.
A CropLife Brasil, que representa a indústria de agrotóxicos, por sua vez, afirmou que já está em contato com representantes da Frente Parlamentar Agropecuária para discutir a futura apreciação dos vetos presidenciais pelo Congresso. Em nota, a associação se disse surpresa com as alterações no texto.
“A liderança do Mapa [nos processos de reanálise de pesticidas] garantiria maior previsibilidade para o setor privado e eficiência para a administração pública, sem renunciar aos rígidos critérios técnico-científicos da Anvisa e do Ibama”, diz a entidade.
A associação também considerou injustificada a supressão do artigo que dispensava a marca da empresa em alto-relevo na embalagem dos produtos. “Atualmente, o Brasil possui um dos sistemas mais avançados de logística reversa do mundo, com destinação de 93% das embalagens usadas para reciclagem controlada”, argumenta.
Outras entidades que representam o agronegócio, como Abag (Associação Brasileira do Agronegócio) e CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), foram procuradas pela reportagem mas não se manifestaram sobre o tema.
A porta-voz do Greenpeace Brasil, Mariana Campos, afirma que a lei é inconstitucional e que a ONG recorrerá ao STF (Supremo Tribunal Federal) para derrubá-la.
“A lei viola artigos muito importantes da constituição: de direito à vida, à saúde, e em relação ao meio ambiente equilibrado”, diz. “O texto também viola um conceito jurídico muito importante, que é a vedação ao retrocesso. Esse PL como foi aprovado e sancionado deixa lacunas que podem configurar retrocesso ambiental, e isto é inconstitucional, além de ferir o princípio da precaução.”
A ativista cita alteração na lei que abre espaço para agrotóxicos riscos maiores à saúde humana.
“O pacote do veneno exclui a proibição de agrotóxicos que causam danos graves à saúde, como câncer, malformação fetal e mutações genéticas. Para que possa garantir o registro, a nova lei estabelece que esse ingrediente pode ser liberado se não houver ‘risco inaceitável’, mas não define o que é este risco”, destaca. “Trazer parâmetros de forma tão vaga é aumentar o risco à saúde pública e à contaminação do meio ambiente.”
A crítica é endossada pelo Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), que tem a alimentação saudável e sustentável como tema de parte de seus estudos.
Para Leonardo Pillon, advogado do instituto, “os vetos foram periféricos e se limitam a preservar algumas competências técnicas e de fiscalização da Anvisa e Ibama que iriam se concentrar no Mapa [Ministério da Agricultura e Pecuária]”.
Segundo Pillon, a nova lei traz retrocesso em políticas de proteção do uso de agrotóxicos, já que autoriza o emprego “preventivo” dessas substâncias, antes mesmo de lavouras serem acometidas por pragas. “A nova lei incentiva o uso excessivo e desnecessário de agrotóxicos antes que exista uma justificativa agronômica real”, avalia.
Outra entidade que se manifestou contra o chamado “PL do Veneno” foi o Inca (Instituto Nacional do Câncer), que divulgou nota no último dia 20 ressaltando os impactos nocivos dos agrotóxicos -posicionamento assumido pela instituição desde 2015.
“Na ocasião, recomendou a redução gradativa do seu uso até a sua eliminação por completo, bem como apoiou e incentivou a agricultura agroecológica, para a promoção da saúde e prevenção do câncer na população do campo e da cidade”, diz o texto.
O QUE É O PL DOS AGROTÓXICOS?
– O PL (projeto de lei) 1.459, de 2022, aprovado em novembro pelo Senado, altera a lei 7.802, de 11 de julho de 1989, que trata desde a pesquisa até a comercialização, os registros e a fiscalização de agrotóxicos.
– Após idas e vindas, o texto tirou a responsabilidade de aprovação de registros de agrotóxicos da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e do Ibama (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente) e a deixou sob a tutela do Ministério da Agricultura.
– Outro ponto, pelo texto que passou no Congresso, é que os agrotóxicos com pedidos de reanálise (derivado de alertas ou desaconselhamento do uso por organizações internacionais) poderiam ser aprovados só pelo parecer do Ministério da Agricultura; a Anvisa teria caráter apenas “consultivo”.
QUAIS FORAM OS PRINCIPAIS VETOS DE LULA?
– O presidente vetou o dispositivo que retirava da Anvisa e do Ibama as atribuições relativas à fiscalização do uso dos agrotóxicos
– Também vetou trecho que dava ao Ministério da Agricultura poder exclusivo de avaliar alterações na formulação dos produtos já aprovados anteriormente
– Lula barrou ainda, entre outros, item que desobrigava as empresas de colocar um aviso nas embalagens informando que o recipiente não pode ser reaproveitado
E O QUE O PRESIDENTE APROVOU?
– Há pontos sancionados por Lula que agradam a bancada ruralista e desagradam entidades de apoio ao meio ambiente e à saúde, como o prazo mais curto para análise de registros -de 24 meses-, enquanto agrotóxicos com fórmulas idênticas a de outros aprovados terão prazo de 60 dias