(FOLHAPRESS) – Em 1973, muitos apostavam que Keith Richards não passaria dos 30 anos de idade. Pouco tempo antes, num intervalo de dois anos, Richards perdeu Brian Jones, seu companheiro de Rolling Stones, e chorou as mortes de Jimi Hendrix, Janis Joplin e Jim Morrison. Todos tinham 27 anos, eram seus contemporâneos, e morreram devido ao abuso de drogas e álcool. Morrison era dez dias mais velho que Richards. Cinquenta anos depois, mais especificamente segunda-feira, 18 de dezembro de 2023, Richards completa 80 anos de idade.
O estado físico e mental de Richards era tão ruim em 1973 que a publicação musical inglesa New Musical Express, a NME, o colocou no topo da lista de “astros do rock mais propensos a morrer no próximo ano”.
Richards disse: “Eu fui número um nessa lista por dez anos e fiquei realmente desapontado quando me tiraram dela”. Em 1978, um médico previu que ele não viveria por mais de seis meses: “O doutor disse que eu tinha seis meses de vida e eu fui ao funeral dele. Eu vou escrever o epitáfio de todos vocês!”
Em 1973, Richards já havia desafiado a morte algumas vezes. Em 1965, num show em Sacramento, na Califórnia, esbarrou com a guitarra num microfone que não estava devidamente aterrado e levou um choque elétrico que o arremessou de costas no chão, desacordado. O choque foi tão forte que queimou as cordas da guitarra. Ele disse que só não morreu porque estava usando botas com solado grosso de borracha.
No início dos anos 1970, o guitarrista sobreviveu a dois incêndios, ambos causados, segundo relatos, por seu hábito de cair no sono em torpor heroinômano, com cigarros acesos na mão e as agulhas ainda espetadas no braço. O primeiro incêndio aconteceu durante a gravação do álbum “Exile on Main St.” e destruiu a cama onde ele dormia com a então esposa Anita Pallenberg (eles nunca foram casados, mas tiveram três filhos e passaram cerca de uma década juntos).
O segundo ocorreu na mansão do casal e foi ainda mais grave: Richards, Anita e os filhos tiveram de sair correndo da casa para não morrerem queimados.
Mas ele sobreviveu. E, com o passar dos anos, seus “causos” viraram lendas. Algumas, criadas por ele próprio, como a famosa história de que teria “trocado de sangue” numa clínica na Suíça, nos anos 1970.
Outras, reais, como a ocasião em que passou nove dias seguidos acordado durante uma sessão de gravação, ou o dia em que decidiu “apimentar” uma carreira de cocaína com uma mistura das mais peculiares: “A coisa mais estranha que já cheirei? Meu pai”, disse ele a uma publicação inglesa. “Ele havia sido cremado, e eu não pude resistir a misturá-lo a um pouco de pó. Meu pai não teria se importado, ele não ligava para nada”. Casos assim são comuns na vida de Richards, e a ótima autobiografia “Vida”, escrita com o autor James Fox e lançada em 2010, é o melhor documento sobre o guitarrista.
Numa carreira de mais de seis décadas -o primeiro compacto dos Stones, um cover de “Come On”, de Chuck Berry, foi lançado em junho de 1963– Richards se tornou um ícone do rock, um símbolo do estilo de vida rebelde que marcou o gênero. É um dos guitarristas mais importantes da história do rock, mesmo não sendo um dos melhores.
Nem o próprio Richards teria a audácia de se colocar numa lista de instrumentistas mais técnicos e virtuosos, mas o que ele criou -os riffs de guitarra, os timbres, a maneira como explora o silêncio e espaço entre as notas- não tem paralelo no gênero. Richards inventou um estilo de tocar guitarra que incorporava o blues de Chicago de Muddy Waters (“Rollin’ Stone” é uma canção de Muddy, gravada em 1950), ao rock primal de pioneiros como Chuck Berry.
Além de criar a base sonora dos Stones, ele inventou a persona do roqueiro kamizake e niilista, e os Stones viraram “a” banda antagonista por excelência, um grupo de cabeludos arrogantes que não só não se importavam, como incentivavam a imagem de “inimigos do sistema”.
É fascinante perceber como, hoje, um alucinado desses se tornou um simpático vovô octogenário que há quatro décadas faz turnês nostálgicas de estádios para o mundo mais careta possível. Os Stones há muito viraram uma megaempresa, vendendo rebeldia para o mundo corporativo.
Richards continua “doido”, mas suas histórias atuais são mais inocentes e divertidas.
Desafiar a morte, hoje em dia, só quando caiu de um coqueiro em Fiji, bateu a cabeça no chão e precisou ser operado por um neurocirurgião. Relatos diziam que a árvore tinha 12 metros de altura. Na verdade, a queda foi de dois metros. É só mais um caso em que a lenda de Keith Richards é bem mais interessante que a realidade.
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