BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, quer reduzir o número de projetos que serão encaminhados ao Congresso Nacional para a regulamentação da reforma tributária.
A proposta é juntar em um único projeto de lei complementar as normas do Imposto Seletivo e dos dois novos tributos que serão criados, a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) federal e o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), de estados e municípios.
O segundo projeto agruparia a regulamentação do Comitê Gestor do IBS e as novas regras para regular o chamado processo administrativo fiscal, que trata dos contenciosos entre os contribuintes com os fiscos. Ou seja, o Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais).
A proposta inicial era enviar os quatro temas em projetos em separado, mas Haddad já sinalizou à equipe do Ministério da Fazenda que pode juntar as propostas em dois projetos para facilitar a tramitação, segundo auxiliares do ministro ouvidos pela reportagem.
Para alguns integrantes do Ministério da Fazenda, colocar no mesmo texto os tributos sendo criados faz sentido porque o Imposto Seletivo (mais conhecido como imposto do pecado) está conectado com a CBS.
Os dois serão cobrados pelo governo federal. Se a carga tributária do Imposto Seletivo for maior, a da CBS poderá ser menor e vice-versa. Isso porque a reforma tem como princípio a neutralidade em relação à carga atual.
Um terceiro projeto de lei, ordinário (que exige quórum simples para aprovação), deverá ser enviado para regulamentar o FNDR (Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional).
Nesse caso, o texto é considerado muito simples porque a emenda constitucional da reforma já tratou da divisão entre os estados dos recursos do fundo, que será bancado pelo governo federal para financiar investimentos nas regiões menos desenvolvidas do país.
O martelo ainda não foi batido e depende de negociação com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que, na terça-feira (19), instou Haddad publicamente a enviar logo os projetos para a definição dos relatores.
Em jantar com a FPE (Frente Parlamentar do Empreendedorismo), Lira voltou a fazer as cobranças e defendeu a aprovação no primeiro semestre.
Lira e Haddad ficaram de acertar o cronograma de votação, que ainda não foi divulgado. Há dúvidas entre aliados do presidente Lira sobre a capacidade de o Ministério da Fazenda entregar os projetos no início de abril, como se pensou inicialmente.
O prazo de envio, que tem sido comentado no Congresso, é maio, porque as propostas ainda têm que passar pelo crivo das áreas jurídicas.
No Ministério da Fazenda, a informação é que os canais jurídicos já estão acompanhando ou serão convidados a acompanhar a discussão sobre os textos antes de seu envio formal. A proposta é agilizar os processos com esse procedimento.
Lira quer aprovar a regulamentação da reforma no primeiro semestre, em junho, aproveitando a janela de votação antes que o calendário das eleições municipais atrapalhe a tramitação.
O risco de a votação enfrentar mais dificuldades após as eleições municipais, período já próximo da corrida eleitoral para a presidência da Câmara e do Senado, é apontado como mais elevado.
A informação publicada pela coluna Painel, da Folha de S.Paulo, de que integrantes do governo Lula têm dito que não há necessidade de os projetos de lei serem aprovados em 2024, em razão da agenda legislativa lotada deste ano e do aperto do calendário por causa da eleição municipal, acendeu a luz amarela para essas movimentações de bastidores em Brasília.
Preocupado com a possibilidade de o clima de ceticismo com a regulamentação ganhar corpo, o próprio ministro disse à coluna, nesta quinta-feira (21), que é prioridade para o governo a aprovação da regulamentação ainda em 2024.
A comissão de sistematização, criada pela Fazenda sintetizar as propostas e definir o escopo geral dos projetos a serem apresentados ao ministro Haddad, ainda não recebeu as propostas de todos os 19 grupos. A comissão é coordenada pelo secretário extraordinário de Reforma Tributária, Bernard Appy. Os seus integrantes assinaram termo de confidencialidade para integrar a comissão.
O prazo para envio das propostas à comissão era dia 15. Alguns dos grupos estão tendo debates mais acalorados e não chegaram a consenso.
Um deles é o que trata das regras para a Zona Franca de Manaus e da forma de operacionalização dos créditos tributários dos novos impostos via o sistema split payment –o valor do imposto é recolhido automaticamente. E o crédito do imposto para o fornecedor vai direto para ele.
Ou seja: pelo mecanismo, o banco separa, já na hora do pagamento, o imposto para os cofres dos governos (federal, estadual e municipal) e o valor destinado para quem forneceu o bem ou serviço. Mas a regulamentação mais polêmica tem sido a do Imposto Seletivo.
Pessoas que participam das discussões no Ministério da Fazenda informaram à reportagem que o objetivo é mandar o quanto antes os projetos, já na primeira quinzena de abril. O clima é de exaustão, com os técnicos trabalhando todos os dias até a madrugada para concluir os trabalhos.
As propostas dos grupos de trabalho deverão ser concluídas nesta semana. Para itens que eventualmente não tenham alcançado consenso, o dissenso será explicitado e caberá à comissão sistematizadora decidir. Se a comissão também não alcançar consenso, será adotado o mesmo procedimento. Ou seja, a palavra final será de Haddad.
No Congresso, já foram protocolados dois projetos que tratam da regulamentação da reforma preparados pelos grupos paralelos criados pela FPE –um deles sobre o Imposto Seletivo. Segundo o diretor da FPE, João Henrique Hummel, que organizou os grupos, o próximo projeto a ser apresentado será para a definição dos produtos da cesta básica, que serão desonerados. “O Congresso terá protagonismo na regulamentação”, disse. Para ele, caberá a Lira decidir se os projetos dos parlamentares serão apensados ao do governo.
O tributarista Luiz Bichara, que tem participado das discussões e foi ouvido pelos grupos de trabalho, disse temer pelo açodamento da votação. “Há uma preocupação enorme com o Imposto Seletivo”, afirmou.
“Não podemos nos distanciar da premissa de que só se pode tributar itens prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, cujo consumo se pretenda desincentivar. Então agora o Brasil quer desincentivar a mineração e a extração de petróleo? Ninguém está preocupado com a balança comercial?”, questionou.