IVAN FINOTTI
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Para o britânico Philip Norman, 81, um dos mais respeitados “beatlelogos” em atividade, escrever a biografia “George Harrison – O Beatle Relutante” foi uma espécie de ajuste de contas consigo mesmo.
O autor se destacou lá em 1981, ao lançar “Shout! – The True Story of the Beatles” (grito! – a verdadeira história dos Beatles), um imediato best-seller que vendeu cerca de 1 milhão de exemplares.
Cerca de 15 biografias se seguiriam na sua obra, como as de Buddy Holly, Elton John, Eric Clapton e dos Rolling Stones. No meio disso, quando Harrison morreu, em 2001, Norman foi convocado pelo jornal The Times a escrever um obituário.
O resultado -que tinha “um viés incessantemente negativo, em alguns trechos até insultuoso”, segundo ele próprio- despertou inúmeras reações contrárias, o que o marcou. Nos agradecimentos desta nova biografia, lançada agora no Brasil, Norman diz que “precisa reconhecer um erro grave”.
Pede desculpas pelo artigo e lamenta que ele esteja disponível na internet. “É como um vampiro, você não pode matá-lo”, afirma jornalista à reportagem em uma entrevista por vídeo.
“Harrison nunca foi o maior guitarrista, vocalista ou compositor do mundo”, dizia aquele texto, completando que ele havia sido, contudo, essencial para a fórmula do Fab Four.
E quanto ao novo livro? “Eu não sabia o suficiente sobre ele quando escrevi aquele obituário. Não era totalmente falso, mas o momento não era certo para dizer aquelas coisas. Mas muito era de fato verdade.”
“Eu realmente tive que escrever a biografia de John Lennon [2008] e depois a de Paul McCartney [2016] para descobrir sobre George, como ele foi marginalizado por anos pelo enorme talento de Lennon e McCartney, como ele foi realmente muito corajoso. Ele não desistiu. E no final, fez o melhor de suas músicas, tão boas quanto as melhores músicas de Lennon e McCartney. Elas não eram tão numerosas, mas as melhores delas eram como as melhores de John e Paul”, diz.
A boa notícia é que isso não significa que o autor vá tratar Harrison com condescendência agora. Questionado sobre a capacidade do guitarrista de ser detestável -conforme histórias que estão no livro-, Norman não titubeia.
“Muito desagradável e muito, muito mundano também. Apesar de sua espiritualidade, ele era muito mundano. Sua primeira mulher, Patty Boyd, lembra como ele podia mudar de um para o outro em um segundo. Poderia estar girando sua roda de orações em um momento e querendo usar cocaína no outro.”
“Para mim, isso é resumido pela história que aconteceu em um voo longo, quando ele está murmurando algo para si mesmo”, lembra o biógrafo. “Uma comissária de bordo diz: ‘Gostaria do seu almoço agora, senhor Harrison?’ Ele responde: ‘Vá se lascar, não vê que estou meditando?’ Isso é George para mim em poucas palavras.”
Essas histórias, porém, não são o cerne do livro e não se deve esperar uma obra “anti-Harrison”. “Ele é muito mais complexo e interessante do que eu havia percebido”, aponta o autor. “Ele é uma contradição enorme.”
“Harrison podia ser muito charmoso ou nada legal. Podia ser muito nobre, como no show para Bangladesh que organizou, o primeiro tipo real de benefício de estrela do rock para uma instituição de caridade. Mas podia ser muito desprezível. Ele seduziu a esposa de Ringo. Dizem que ele era o Beatle quieto, mas a maioria das pessoas que o conheciam me disse que ele nunca parava de falar. Então, foi a contradição do personagem que me interessou.”
Quanto ao adjetivo que está no título da biografia, “relutante”, Norman diz não se referir a sua atuação como músico, mas como estrela do rock. “Ele era uma pessoa muito reservada e odiava a histeria da Beatlemania. Quando as pessoas não conseguiam ouvir seu solo de guitarra muito bem elaborado -e na América, às vezes ele tentava tocar com duas jovens penduradas em seu pescoço-, ele odiava tudo isso.”
Devido ao obituário do Times, Norman nem tentou ouvir a segunda mulher de Harrison, Olivia Arrias. “Não achei que houvesse esperança de que ela aceitasse.”
Por outro lado, teve bastante contato com a primeira, Patty Boyd, e tinha em seus arquivos o material de pelo menos três livros já lançados sobre os Beatles, sem contar a biografia de Clapton, o melhor amigo de Harrison e que lhe roubou a esposa nos anos 1970.
E Norman não pretende parar por aí. Seu novo objeto de pesquisa é Brian Epstein, o empresário dos Beatles que morreu no auge da banda, em 1967.
“Não há uma biografia adequada de Epstein, que realmente mostre toda a extensão de suas conquistas. Seu efeito na história da música popular foi fenomenal, e é também incrível a maneira como ele se relacionava com os Beatles. Eles eram como seus filhos, mais do que seus clientes.”
GEORGE HARRISON: O BEATLE RELUTANTE
– Preço R$ 129,90 (669 págs.); R$ 78 (ebook)
– Autoria Philip Norman
– Editora Belas Letras
– Tradução Henrique Guerra