Fazenda admite mudar meta fiscal se alternativas à desoneração da folha caírem

(FOLHAPRESS) – O Ministério da Fazenda admite alterar a meta de déficit zero –defendida pelo ministro Fernando Haddad– caso se esgotem todas as alternativas para compensar a renúncia de receitas com a prorrogação até 2027 da desoneração da folha de pagamento.

Para que não seja preciso chegar a essa situação, a equipe econômica defende a reoneração gradual da folha salarial e ameaça recorrer à Justiça caso a MP (medida provisória) que trata do tema seja derrubada pelo Congresso Nacional.

Se esse cenário se concretizar, e o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) acabar derrotado na disputa judicial, a Fazenda ainda vai tentar mais uma cartada: emplacar novas medidas para evitar perda de arrecadação e reforçar o caixa da União neste ano.

“Se novas medidas não forem possíveis, eventualmente tem de mexer na meta, claro. Vai fazer o quê? Mágica Tem de ir vencendo as barreiras”, afirma o secretário-executivo da Fazenda, Dario Durigan, no posto de ministro em exercício durante as férias de Haddad.

“Todas as providências vão ser tomadas para a gente fechar o Orçamento. Se, de fato, o que estamos apresentando não vingar, não resta alternativa: tem de mexer na meta”, acrescenta.

Durigan nega que a MP seja uma “afronta” ao Congresso, como disse o senador Efraim Filho (União Brasil-PB) após Haddad apresentar a proposta alternativa. Ele defende que a pasta não teve “oportunidade” para debater a questão e se viu obrigada a adotar essa medida “totalmente legítima” antes de virar o ano por causa do princípio da anualidade.

Para o número 2 da Fazenda, o ato é um “prestígio” e “preserva o trabalho” feito pelo Legislativo e pelo Executivo no ano passado pelo avanço da agenda econômica.

Confiante de que a MP não será devolvida pelos parlamentares depois da reunião do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), com os líderes nos próximos dias, a pasta quer usar o prazo até 1º de abril, quando passarão a valer as novas regras, para costurar um acordo com o Congresso.

“O limite da negociação é a responsabilidade fiscal. É a manutenção do Orçamento com a nossa meta”, diz Durigan. Ele admite que concessões podem ser feitas, desde que seja mantido o equilíbrio fiscal.

Se não houver acordo, a Fazenda está decidida a ir para o “tudo ou nada” e judicializar a questão “por falta de opção”. De acordo com a pasta, a desoneração da folha de pagamento é inconstitucional por contrariar a reforma da Previdência, que determina que não pode haver troca da base de contribuição.

A pasta diz também que esse benefício é antiorçamentário por ser incompatível com o Orçamento aprovado para 2024 e por não respeitar a LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal), além de ser antieconômico por ser uma política pública “ruim” e que teria fracassado em seu principal objetivo de estímulo à geração de emprego.

Segundo Durigan, o TCU (Tribunal de Contas da União) tem feito recomendações ao governo questionando como serão tratados os vetos derrubados pelo Congresso que desrespeitam a Lei de Responsabilidade Fiscal.

“Vamos fazer algo que seja constitucional, que respeite o Orçamento, que respeite a Lei de Responsabilidade Fiscal e que aprenda com o passado e proponha uma medida de manutenção de emprego efetiva. É isso que estamos falando [ao Congresso]”, diz o secretário-executivo sobre a reoneração da folha.

Segundo estimativa do governo, a reoneração gradual da folha irá gerar uma perda de arrecadação de R$ 5,6 bilhões, que será compensada integralmente pela extinção gradual do Perse (Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos) com a reposição de R$ 6 bilhões.

A Fazenda defende também que a medida proposta simplifica a metodologia da política pública, que no caso da desoneração é classificada por Durigan como caótica, ao linearizar os setores beneficiados.

Segundo o secretário-executivo, é uma “meia verdade” que a desoneração beneficie apenas 17 setores da economia, incluindo o de comunicação, no qual se insere o Grupo Folha, empresa que edita a Folha.

Durigan argumenta que, por utilizar a nomenclatura que identifica produtos, empresas de mais de 400 setores da economia já foram alguma vez beneficiadas desde que a desoneração da folha foi criada no governo Dilma Rousseff (PT), em 2011.

A proposta da Fazenda muda a lógica da desoneração –o texto cria dois grupos de “atividades econômicas” a partir da CNAE (Classificação Nacional de Atividades Econômicas) com tributação diferenciada.

Com a nova regra, a contribuição patronal será de 10% ou 15% na faixa até um salário mínimo dos funcionários neste ano e será aplicada a alíquota padrão, de 20%, sobre a parcela que exceder esse valor.

Foram ponderados dois critérios para a divisão dos grupos de atividades, conforme estudo da SPE (Secretaria de Política Econômica) do Ministério da Fazenda. O primeiro é o percentual da massa salarial das empresas optantes pelo benefício sobre a quantidade total (optantes e não optantes) de cada divisão econômica.

O outro é o percentual da renúncia atual em relação à massa salarial total das empresas optantes também por divisão econômica. Nesse caso, a ideia é saber o quanto a empresa deixa de pagar pelo volume de emprego que ela gera em retorno.

No primeiro grupo, ficaram as atividades com maiores participações na renúncia atual (acima de 75%). É o caso, por exemplo, de transporte, rádio, televisão e tecnologia da informação.

Para esse conjunto, o escalonamento da tributação reduzida para a faixa de primeiro salário mínimo será de 10% neste ano, 12,5% no próximo, 15% em 2026 e 17,5% em 2027.

Já no segundo grupo, concentram-se as atividades que se enquadram entre 50% e 75% entre aquelas com maiores participações na sistemática atual. É o caso dos mercados editorial, de couro e de calçados, além de empresas da construção civil e de obras de infraestrutura.

A contribuição patronal, nesse caso, vai começar em 15% neste ano, subindo para 16,25% no ano que vem, 17,5% em 2026 e 18,75% em 2027.

Alguns setores hoje beneficiados pela desoneração, como o de call centers, reclamaram de terem sido excluídos da proposta alternativa apresentada pela Fazenda.

“Os setores que ficaram de fora se debruçavam menos sobre o benefício do que os setores que estão ali colocados”, diz Durigan.

Segundo ele, a linha de corte das atividades contempladas foi o espaço fiscal aberto de R$ 6 bilhões com a extinção do benefício concedido ao setor de eventos.

A adesão ao regime é facultativa e as empresas que optarem pela modalidade precisarão se comprometer com a manutenção da quantidade de empregados em número igual ou superior ao verificado em 1º de janeiro de cada ano-calendário.

O modelo de fiscalização dessa contrapartida imposta às empresas vai depender de regulamentação, mas a Fazenda diz se inspirar nos exemplos do Pronampe –linha de crédito especial para o microempreendedor– e do Reiq (Regime Especial da Indústria Química).

“Esse padrão de desonerar o primeiro salário mínimo deveria ser para todos. Pelo incentivo que se tem ao trabalho de baixa renda”, afirma Durigan. “A depender da amplitude que a gente for dar à discussão da reforma da renda, esse debate pode vir.”

De acordo com Durigan, o regime sugerido pode servir como um “piloto” para uma solução definitiva em uma discussão sobre mudanças na tributação da renda.
Entenda as propostas do governo para compensar perdas ou renúncia de arrecadação

QUAIS SÃO AS TRÊS MEDIDAS?

A reoneração gradual da folha de pagamento. Nesse ponto, será testada a redução da alíquota da cota patronal na faixa de um salário mínimo

A limitação da compensação tributária com decisões judiciais sobre créditos acima de R$ 10 milhões e no prazo máximo de cinco anos

A extinção gradual do Perse (Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos), que oferece benefícios para empresas aéreas e ligadas a entretenimento

QUANTO ELAS SIGNIFICAM EM ARRECADAÇÃO?

De acordo com a Fazenda, as medidas anunciadas vão permitir a compensação do rombo de R$ 12 bilhões que seria gerado pela desoneração de folha de pagamento

A reoneração gradual vai gerar uma perda de arrecadação menor, de R$ 5,6 bilhões, que será compensada integralmente pelas alterações no Perse. Nos cálculos do governo, a extinção do benefício ao setor de eventos irá somar R$ 6 bilhões

COMO FICA A TRIBUTAÇÃO ATÉ 1º DE ABRIL, QUANDO AS REGRAS ENTRAM EM VIGOR?

Até 1º de abril vale a prorrogação da desoneração da folha. Ou seja, os 17 setores da economia beneficiados mantêm a prerrogativa de pagar alíquotas de 1% a 4,5% sobre a receita bruta, em vez de 20% sobre a folha de salários para a Previdência

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