(FOLHAPRESS) Em outubro, o Equador escolhe entre dois rostos novos, mas com propostas opostas, para liderar o país. De um lado, está uma ferrenha defensora do esquerdista Rafael Correa, que comandou a nação por uma década. Do outro, um empresário liberal de 35 anos que está perto de realizar o sonho do pai bilionário, cinco vezes candidato à Presidência.
As descrições pertencem, respectivamente, aos ex-deputados Luisa González, que liderou o primeiro turno no domingo (20) com 33,4% dos votos, e Daniel Noboa, grande surpresa dessas eleições, que abocanhou 23,6%. Seja qual for o resultado, ele será inédito: ou a nação sul-americana terá sua primeira mulher no posto de comando, ou elegerá seu dirigente mais jovem.
Enquanto ela representa a tradição do movimento correísta, com bases de eleitores sólidas e uma forte máquina partidária, ele tem o frescor capaz de atrair aqueles cansados da “velha política” ao mesmo tempo em que é favorecido por sua riqueza e o sobrenome famoso –fatores que podem se virar contra ele nessa segunda etapa.
Será uma espécie de reedição das eleições de 2006 no Equador, disputada entre Correa e Álvaro Noboa, agora através de seus respectivos intermediários. À diferença de seus patronos políticos, porém, nenhum dos dois candidatos atuais era muito conhecido antes da campanha.
Ambos saltaram daquela considerada a pior legislatura da Assembleia Nacional do país, marcada por impasses contínuos, diretamente para a corrida presidencial depois que a Casa foi dissolvida pelo presidente de direita Guillermo Lasso em maio. O ex-banqueiro decretou a chamada “morte cruzada” e convocou novas eleições para evitar um impeachment.
Luisa González, advogada de 45 anos, chegou lá com um longo currículo dentro de gestões correístas: foi, entre outros, ministra do Trabalho e do Turismo, cônsul em Madri, secretária nacional da Administração Pública e secretária do gabinete da Presidência. “Fui a chefe dos ministros [de Correa]”, afirmou durante a campanha, exaltando sua experiência como líder e seu conhecimento do setor público.
Por isso ela repete que “já fizemos uma vez e vamos voltar a fazer”. Muito fiel ao ex-presidente, a candidata disse em uma entrevista ao jornal El País que Correa é seu principal assessor virtual –ele se exilou na Bélgica após ser condenado por corrupção–, mas negou que lhe dará um indulto se for eleita.
Apesar de ser mulher e de esquerda, ela não atrai o voto feminista e, sempre citando Deus, é contra a descriminalização do aborto. Ao abordar a questão da violência, principal preocupação dos equatorianos hoje, afirma que vai desarticular organizações criminosas, melhorar sistemas de inteligência e coordenar as forças de segurança nacional e internacionalmente, mas não detalha como.
Tampouco o faz Daniel Noboa, que fala em combater a criminalidade integralmente por quatro eixos: social, econômico, institucional e produtivo. Ele diz querer militarizar portos e fronteiras para combater o tráfico de drogas, mas sua campanha dá mais ênfase à criação de empregos e à atração de capital estrangeiro.
Diferentemente de González, Noboa veio do setor privado. Tem três formações nos Estados Unidos, incluindo a de administração pública em Harvard, e fundou sua própria empresa de eventos aos 18 anos. Mais tarde, foi trabalhar no conglomerado de seu pai, que atua no atacado de importação e exportação de diversos setores, até chegar ao posto de diretor comercial.
O candidato tenta passar um “shampoo ideológico” que não tem dado muito certo, nas palavras do analista político equatoriano Michel Rowland. “Qual é a minha ideologia Centro, centro-esquerda […]. Os analistas querem me colocar numa direita que nesse momento tem sido bastante ineficiente e que não creio que vai ganhar essas eleições”, disse o candidato ao jornal local Expresso.
Sua carreira pública se resume aos menos de dois anos de sua atuação discreta como legislador nos quais se distanciou do “toma lá, dá cá” das principais forças políticas. “Foi justamente isso que chamou a atenção no debate presidencial [no último dia 13]. O eleitor quer um perfil com frescor e conciliador”, diz Ingrid Ríos, professora da Universidade Casa Grande, na cidade de Guayaquil.
Foram seus posicionamentos claros e ponderados nesse debate, o evento televisivo com mais audiência do ano, aliás, que o impulsionaram ao segundo lugar neste domingo. Agora, porém, o contexto deve mudar. Ele passará de candidato “café com leite” para principal adversário e terá que lidar com fantasmas do seu passado, como uma acusação de maus tratos feita por sua ex-esposa em 2019.
Enquanto Luisa González tem o voto duro do tradicional partido Revolução Cidadã, ele deve ir atrás dos eleitores anticorreístas e antiestablishment dos outros candidatos que ficaram pelo caminho no primeiro turno. O sucesso de um ou de outro na cadeira presidencial também dependerá de seus apoios na Assembleia, coisa que Lasso não tinha.
Ambos chegam ao segundo turno com “bancadas interessantes”, segundo Ríos. O partido dela, de esquerda, teve quase 40% dos votos, como é comum no país. Mas o dele, Ação Democrática Nacional (ADN), também conseguiu votação considerada expressiva, que alcançava os 15% com 92% das urnas apuradas. Ele também deve ter mais facilidade em fazer acordos.
Surgiu nessas eleições, ainda, uma terceira força inesperada no Legislativo. O Movimento Construye, aliança de centro-direita pela qual concorria Fernando Villavicencio, candidato assassinato a 11 dias do pleito, angariou 21% dos votos. “O forte discurso de Villavicencio contra a corrupção não rendeu a Presidência, mas puxou votos à Assembleia pela questão da fiscalização”, afirma a pesquisadora.