Desenrola cumpre meta de renegociar R$ 50 bi, mas termina sob alerta de novos endividamentos

NATHALIA GARCIA
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O programa Desenrola Brasil -promessa de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT)- chega ao fim nesta segunda-feira (20), tendo atingido a meta de renegociar R$ 50 bilhões em dívidas de pessoas físicas, mas sob alerta de novos endividamentos dos consumidores que tiveram o poder de compra reativado.

O Ministério da Fazenda estimava que esse objetivo seria alcançado até o fim do ano passado, quando estava previsto o término do programa. Foram necessárias duas prorrogações e cinco meses a mais para o cumprimento da estimativa inicial.

Até a última sexta-feira (17), foram renegociados R$ 52,93 bilhões em dívidas pelo Desenrola, beneficiando cerca de 15 milhões de pessoas, que voltaram a ter acesso ao mercado de crédito. O número de favorecidos, contudo, ficou aquém do potencial do programa.

Quando a iniciativa foi anunciada, em julho do ano passado, o governo tinha como público-alvo 70 milhões de brasileiros negativados e projetava poder ajudar até 30 milhões de pessoas.

Apesar dos números divulgados, um membro do governo disse à Folha de S.Paulo que internamente as estimativas eram mais modestas e havia a expectativa de atingir 10 milhões de brasileiros, ou seja, um terço do que foi anunciado.

O desenvolvimento do Desenrola esbarrou em questões técnicas e exigiu um grande trabalho de tecnologia da informação para tirar o programa do papel no curto prazo. Isso fez com que novas funcionalidades tivessem de ser incorporadas no decorrer do processo já com ele em marcha.

Depois de ter conseguido boa adesão dos cidadãos com renda de até R$ 20 mil que renegociaram suas dívidas diretamente com instituições financeiras na fase inicial, o Desenrola patinou na etapa seguinte -voltada para o consumidor de renda mais baixa- diante da dificuldade de levar as pessoas até a plataforma do programa.

Ao longo do processo, foram anunciadas diversas medidas para facilitar o acesso e fazer deslanchar a fase voltada para cidadãos com renda bruta mensal de até dois salários mínimos (R$ 2.640) ou inscritos no CadÚnico (Cadastro Único para Programas Sociais do Governo).

Para tentar estimular o engajamento, o governo autorizou que os brasileiros com nível de certificação bronze no portal gov.br pudessem refinanciar suas dívidas pelo site do Desenrola. Antes, clientes com esse perfil só podiam optar pelo pagamento à vista.

Na reta final, ampliou parcerias com a extensão do acesso ao site por meio de birôs de crédito (Serasa) e de aplicativos de bancos, como Caixa Econômica Federal, Itaú e Santander. Tais medidas colaboraram para o “sprint final” do programa.

Para a educadora financeira Dina Prates, faltou uma campanha complementar de comunicação do governo para combater as notícias falsas que tinham o Desenrola como alvo, além de um trabalho mais amplo de educação financeira.

“As pessoas não entendiam a diferença entre desnegativar e renegociar a dívida. Então, foi causando um ruído de comunicação coletivo. Muita gente achava que, como tinha saído do SPC [ficado com o “nome limpo”], não precisava mais negociar a dívida”, disse.

Ela conta, por exemplo, ter sido procurada por clientes preocupados se ficariam impedidos de financiar um imóvel do Minha Casa, Minha Vida, programa de habitação do governo, caso renegociassem dívidas pelo Desenrola -o que não é verdade.

A especialista alerta que, sem orientação, há risco de novo endividamento, uma vez que o consumidor precisa entender o impacto da dívida refinanciada pelo Desenrola dentro do seu próprio orçamento e como utilizar de forma consciente o crédito disponibilizado pelas instituições financeiras depois de ter seu poder de compra reativado.

Como exemplo, menciona o caso de dois clientes que quitaram as dívidas pelo Desenrola, mas voltaram a se endividar com o uso do cartão de crédito devido à liberação de um limite mais alto concedido por instituições financeiras.
Ela diz ainda ser cedo para quantificar o números de pessoas que participaram do programa e voltaram a se endividar, mas projeta que os efeitos vão começar a aparecer no fim do ano.

Apesar das ponderações, Prates considera que o Desenrola teve um papel importante para a população de baixa renda, após um pico de endividamento durante a pandemia de Covid.

Pelo programa, podiam ser renegociadas dívidas negativadas de 2019 a 2022, com valor atualizado de até R$ 20 mil por contrato. Entravam na renegociação dívidas bancárias e não bancárias (como, por exemplo, contas atrasadas de água e luz).

No início de maio, o secretário de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda, Marcos Barbosa Pinto, disse que o governo Lula injetou menos de R$ 2 bilhões no programa. Mas esse montante pode crescer nos próximos meses em caso de inadimplência. A partir do segundo semestre, os dados permitirão fazer um mapeamento da evolução do cenário.

A quantidade de dívidas renegociadas à vista colaborou para o baixo volume utilizado até agora, para surpresa de quem projetou o programa. Se todas as negociações tivessem sido financiadas, o Desenrola teria ocupado o dobro de espaço no FGO (Fundo Garantidor de Operações). O governo separou R$ 8 bilhões para servir de fiador das negociações.

“Para cada R$ 1 que a gente investiu no Desenrola, a gente renegociou R$ 25 de dívidas. É um programa muito importante, não só para a população que estava enrolada, mas também para as empresas e para os bancos que tiveram seus créditos recuperados”, afirmou Pinto em evento organizado pela FPE (Frente Parlamentar do Empreendedorismo).

A economista Juliana Inhasz, professora do Insper, valoriza o conceito por trás da iniciativa do governo federal de recolocar consumidores de volta ao mercado, mas vê problemas em sua operacionalização.

“O governo devia uma medida para a sociedade para conseguir fazer com que as negociações acontecessem e, naturalmente, aumentar a base de consumidores para fazer a economia crescer. Então, o programa foi feito a toque de caixa”, diz.

Inhasz vê influência da questão política na celeridade dada ao programa, afetando o resultado entregue para a população brasileira.

“O objetivo principal era cumprir uma promessa de campanha, que foi de fato cumprida, mas eu acho que isso fez com que o programa saísse bem aquém do que a gente gostaria de ver e do que o Brasil precisava”, afirma.
Inhasz diz que o Desenrola deveria ser parte de um programa mais “sólido”. “Não é um programa que gera o efeito educativo que deveria gerar”, acrescenta.

Nesse contexto, considera que os principais beneficiados pela iniciativa do governo foram aqueles que se encaixavam na faixa 2, ou seja, com renda entre R$ 2.640 e R$ 20 mil. Isso porque são pessoas com renda mais alta e com acesso a crédito mais caro, com oportunidades menos vantajosas para saírem do endividamento.

Em termos quantitativos, esse grupo (faixa 2) contabilizou até a última sexta 3 milhões de pessoas beneficiadas, com a negociação de R$ 26,5 bilhões em dívidas nos bancos.

Já a faixa 1 do Desenrola contou com a renegociações de R$ 25,43 bilhões em dívidas no site do programa e nos canais parceiros, favorecendo 5,04 milhões de brasileiros.

Ao todo, 7 milhões de pessoas tiveram a retirada automática do cadastro de inadimplentes, ou seja, ficaram com o “nome limpo” por conta de débitos de até R$ 100 -as dívidas somavam cerca de R$ 1 bilhão.

A equipe econômica vem falando publicamente que avalia o Desenrola como um sucesso e que ele cumpriu a sua função enquanto programa emergencial. Na visão do governo, essa experiência vai facilitar o ambiente de renegociação de dívidas no país daqui para frente.
NÚMEROS DO PROGRAMA DESENROLA BRASIL
Total até sexta-feira (17)
Mais de 15 milhões de pessoas foram beneficiadas
R$ 52,93 bilhões em dívidas renegociadas
Faixa 1
5,04 milhões de pessoas beneficiadas
R$ 25,43 bilhões em dívidas renegociadas (plataforma e canais parceiros)
Faixa 2
3 milhões de pessoas beneficiadas
R$ 26,5 bilhões em dívidas renegociadas (bancos)
“Nome limpo”
7 milhões de pessoas beneficiadas com a retirada automática do cadastro de inadimplentes por débitos de até R$ 100. As dívidas somavam cerca de R$ 1 bilhão.

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