De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), o Transtorno Dismórfico Corporal (TDC), ou dismorfia corporal, é caracterizado pela distorção na percepção do indivíduo a respeito de sua aparência, gerando uma preocupação excessiva com um ou mais defeitos ou falhas em sua aparência física que não são observáveis, parecem leves para os outros ou sequer existem.
Segundo a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), o transtorno atinge cerca de 4 milhões de brasileiros, com maior prevalência entre as mulheres de 18 a 30 anos. No mundo, estima-se que cerca de 2% da população seja acometida pela patologia.
Mas, como é possível identificar uma possível dismorfia corporal apenas pela busca de mudanças estéticas, algo tão corriqueiro atualmente? Para entender, especialistas citam fatos importantes a serem observados:
Supervalorização da imagem: segundo a psicóloga clínica Juliana Santos Lemos, especialista em Psicopatologia e Terapia Cognitivo-Comportamental pela PUC/RS; pessoas com transtorno de imagem nutrem a ideia de que uma ‘imperfeição física’ é o seu real problema.
“Por isso, elas atribuem à aparência uma importância maior do que o normal, cultuam a beleza e priorizam a estética em detrimento a outros cuidados com o corpo e a saúde em geral”.
Inclusive, um dos sinais do transtorno está relacionado ao peso, mesmo que esteja adequado à altura e faixa etária. “O indivíduo se submete a exercícios em excesso e dietas restritivas, normalmente, sem acompanhamento médico”, completa Juliana, também especialista em Comportamento Alimentar e Obesidade pela FAECH/MG.
Compulsão por procedimentos estéticos: o cirurgião plástico Luís Maatz,, especialista em Cirurgia Geral e Cirurgia Plástica pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (HC/FMUSP); relata que pessoas com dismorfia corporal fazem inúmeras intervenções de forma compulsiva e rotineira, desde um botox à uma lipoaspiração.
“A insatisfação constante com a autoimagem limita o bom senso da pessoa, que não mede esforços para alcançar o padrão de beleza ‘ideal’, seja por meio de procedimentos estéticos simples ou cirúrgicos”, reforça o membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP).
Uma revisão sistemática publicada na Revista Brasileira de Cirurgia Plástica mostrou que a prevalência da dismorfia corporal em pacientes candidatos e/ou submetidos a procedimentos estéticos na especialidade da cirurgia plástica foi de 12,5%. Essa prevalência é consideravelmente maior do que a observada na população geral, que varia entre 0,7% a 2,4%. O estudo analisou um total de 15 publicações, que incluíram um total de 3.677 pacientes, sendo a maioria do sexo feminino (75,2%) e com idade média de 30 anos.
Frustração com os resultados: segundo Luís Maatz, a pessoa que tem uma visão distorcida da própria imagem, somada à obsessão pela beleza irretocável, gera expectativas irreais sobre os resultados de uma plástica. “Quem tem dismorfia corporal não tem como ficar satisfeito com procedimentos que jamais resolverão ‘deformidades inexistentes ou imperceptíveis’”.
Ciclo vicioso e nocivo: conforme Juliana Santos Lemos, a busca incessante pela perfeição estética gera um ciclo vicioso. “Para compensar a frustração, a pessoa vai atrás de outros procedimentos, e cada vez mais invasivos, sendo que nenhum deles irá surtir o efeito desejado, já quea procura por intervenções não decorre da insatisfação com a aparência, mas sim de um distúrbio”.
Segundo a psicóloga, além de agravar o transtorno de imagem, esse processo contínuo pode desencadear outros problemas de saúde mental, como depressão, ansiedade crônica e o TOC (Transtorno Obsessivo-Compulsivo), já associado à dismorfia corporal.
“Em mais de 80% dos procedimentos, o paciente fica com o emocional desestabilizado. Portanto, a recomendação é não operar, ao menos, enquanto ele não estiver sob acompanhamento psicológico. Até porque realizar muitas intervenções estéticas pode comprometer sua saúde”, alerta Luís Maatz.
Como proceder: de acordo com o cirurgião, é possível notar comportamentos incomuns logo na primeira consulta. O especialista deve, então, coletar o máximo de informações possíveis com o paciente para se aprofundar na avaliação.
“O médico não pode jamais menosprezar nem minimizar as queixas do paciente em relação à aparência, e tampouco ‘diagnosticá-lo’, já que essa é uma tarefa do psicólogo ou psiquiatra”. O ideal, segundo ele, é conversar com alguém da família sobre o possível transtorno, orientando a buscar ajuda com profissionais de saúde mental.
Um dos tratamentos mais indicados para a dismorfia corporal é a terapia cognitivo-comportamental. “Ela auxilia a pessoa a desestimular a busca de defeitos no próprio corpo e a diminuir a importância das características físicas, proporcionando ao indivíduo uma nova forma de compreensão sobre sua autoimagem”, finaliza a psicóloga Juliana Santos Lemos.