Com criogenia e uso de bactérias, cientistas procuram meios de driblar a morte

SAMUEL FERNANDES
PARIS, FRANÇA (FOLHAPRESS) – Com 30 anos, Vinícius Vilela gosta quando as pessoas dizem que ele aparenta ser mais jovem do que é. “Eu me cuido bastante”, diz ele, acrescentando que preza muito pela vida. Esse apreço é tanto que o desenvolvedor de software terá seu corpo congelado após sua morte na esperança de ser reanimado um dia.

Vilela, que mora no Canadá, mas nasceu em São Paulo, é um dos membros da Alcor, uma organização com sede nos Estados Unidos que utiliza a criogenia em corpos de pessoas que faleceram. Talvez um dia seja possível reanimá-las. Mas, por enquanto, tudo é só ficção científica, reconhece Vilela. “Hoje em dia, é impossível.”

Carla Regina Alves, coordenadora do Laboratório Multiusuário de Criogenia da UFF (Universidade Federal Fluminense) e sem relações com a Alcor, explica que a técnica de congelar matéria orgânica começa com a produção de nitrogênio líquido, área em que ela atua na universidade.

O nitrogênio líquido é feito a partir do nitrogênio encontrado no ar. Depois de captada por máquinas específicas, a substância é transformada na forma líquida, que fica em -196ºC. É esse líquido que possibilita resfriar materiais biológicos, algo que não é feito no laboratório coordenado por Alves, já que o trabalho dela é só fornecer o elemento para outras instituições.

No Brasil, não há conhecimento de um laboratório que ofereça um serviço de congelamento de corpo com a promessa de reanimá-lo no futuro. Essa técnica, porém, é usada para outros fins, como preservar óvulos e espermatozoides. “O sucesso do congelamento já é um fato”, diz Alves.

O problema maior no caso da criogenia de corpos ou órgãos humanos é o descongelamento. Para materiais mais simples, como células, é mais fácil descongelar sem causar estragos substanciais. O mesmo não pode ser dito do corpo humano.

“Em um organismo tão complexo, […] se esse descongelamento não for feito de forma a preservar o material, isso pode trazer algum tipo de dano que ainda é desconhecido”, diz a pesquisadora da UFF.

Esse também é um ponto que inquieta James Arrowold, copresidente da Alcor. Ele confirma que ainda não se sabe como fazer o descongelamento sem criar problemas em órgãos mais complexos. Mas isso não o desanima -a Alcor financia pesquisas para tentar solucionar o imbróglio.

“A tecnologia de reanimação deve ser desenvolvida primeiro em escalas menores, como para órgãos como rins, o que a Alcor entende que deve ocorrer primeiro e, portanto, apoia a pesquisa sobre as etapas incrementais”, afirma.

Com esse desenvolvimento, talvez seja possível solucionar como descongelar o cérebro, que é a meta mais ambiciosa, pela dificuldade de não causar estragos ao órgão, mas também muito importante no objetivo de trazer alguém de volta à vida. “A meta é acessar o cérebro, as memórias, a personalidade”, diz Arrowold.

E o preço para pagar por esse serviço, mesmo sem garantia do que ocorrerá no futuro, é alto. Na Alcor, passa de R$ 1 milhão.
No caso de Vilela, o desenvolvedor de software, ele diz ter feito um seguro de vida que assegura o pagamento dos custos da criogenia do seu corpo.

E, apesar de tantas incertezas, ele se mantém confiante de que, um dia, o dilema do descongelamento será superado. “Hoje, acham que é coisa de louco […] congelar gente para voltar à vida. Tudo bem, hoje é coisa de louco, mas talvez algum dia seja possível, e, se for, eu gostaria de fazer parte disso.”

Mas ele também diz acreditar que a medicina precisa avançar e melhorar a qualidade de vida para que a suposta ressurreição de uma pessoa realmente seja interessante. Afinal, continua Vilela, “não adianta trazer de volta uma pessoa que morreu para ela ficar com o corpo todo ‘zoado'”.

E, de certa maneira, é exatamente isso que Karl Lenhard Rudolph pesquisa. Ele não tem envolvimento com criogenia -na realidade, nem acredita que a técnica será um sucesso para organismos complexos. Rudolph é chefe do grupo de estudo em células tronco e metabolismo no Instituto Leibniz sobre Envelhecimento – Instituto Fritz Lipmann (FLI), na Alemanha.

Nessa organização, diferentes pesquisas são feitas para tentar prolongar a vida humana e melhorar a qualidade de vida diante do envelhecimento. E um desses métodos é a realização de uma dieta restritiva. Segundo Rudulph, ingerir cerca de 70% do total que uma pessoa normalmente comeria pode ajudar a aumentar a longevidade.

A explicação de por que isso acontece envolve o metabolismo e o desenvolvimento do organismo humano. Embora importantes, ambos os procedimentos têm efeitos colaterais. O processo metabólico, por exemplo, causa oxidação no organismo, gerando danos no DNA. E, ao se alimentar, o metabolismo de uma pessoa é ativado -ou seja, comer menos seria uma solução para evitar parcialmente esses danos.

Estudos em camundongos indicaram que uma dieta restritiva tem associação com um aumento de 20% a 30% na expectativa de vida desses animais, afirma Rudolph. Entretanto, as evidências ainda precisam aumentar e incluir pesquisas em humanos. Além disso, estudos já feitos mostram que essa dieta precisa ser adotada ainda quando jovem e ser mantida pelo resto da vida, o que é um desafio.

Outra linha de pesquisa envolve as bactérias do estômago humano. A presença desses seres é importante para o adequado funcionamento do organismo de uma pessoa. No entanto, estudos observaram que, com o passar dos anos, esse complexo sistema de bactérias é alterado, o que pode causar um desequilíbrio e, consequentemente, aumentar a inflamação do organismo humano. “O processo de envelhecimento meio que é acelerado”, resume Rudolph.

Uma possibilidade para contornar essa situação é transferir bactérias de uma pessoa mais jovem para uma mais velha. Estudos ainda precisam ser feitos em humanos, mas pelo menos em peixes a técnica parece funcionar. “Em peixes, já foi demonstrado que é possível transplantar bactérias do intestino de jovens [em animais mais velhos], e o peixe vive mais tempo”, diz Rudolph.

Ainda existem outros métodos para lidar com o envelhecimento, e um deles inclui genética. Mayana Zatz investiga o assunto no Centro de Estudos do Genoma Humano e Células-Tronco (CEGH-CEL). A instituição é vinculada à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) por ser um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid).

O estudo coordenado por Zatz trabalha com idosos que são resistentes a diferentes problemas de saúde, como a Covid-19. “Essas pessoas têm genes de resistência, aguentam qualquer desaforo do ambiente.”

A ideia é entender quais genes estão associados a essa característica. A técnica parte do princípio da reprogramação celular, em que, a partir do sangue, as células são reprogramadas para o estado embrionário e se estuda a linhagem genética das pessoas resistentes. Então, se entende que genes são associados a resistência ou o que eles produzem para causar esse efeito.

O objetivo é que, no futuro, seja possível fazer alterações nos indivíduos que não contam naturalmente com esses genes relacionados à resistência. Ou seja, seria possível transmitir essa característica para a população em geral, o que evitaria problemas de saúde e, consequentemente, aumentaria a longevidade.

A área é objeto de estudo não só do grupo de Zatz, já que pesquisas semelhantes ocorrem ao redor de todo o mundo. Mas, até o momento, é uma ideia para o futuro -os estudos são preliminares e ainda falta muito para prolongar a vida humana, seja por esse método seja por outros.

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