Casos de diabetes tipo 2 crescem entre mais jovens, segundo médicos

(FOLHAPRESS) – Filha, sobrinha e neta de diabéticos tipo 2, Beatriz Libonati fazia dieta quando passou a desconfiar de uma perda muito rápida de peso e aumento na sede. O diagnóstico de diabetes -doença caracterizada por uma deficiência na produção ou ação da insulina, o hormônio que controla o açúcar no sangue-, porém, não passava pela sua cabeça naquele momento. “Eu tinha 24 anos. Sou a mais jovem da família a ter diabetes. A maioria teve diagnóstico mais tardio.”

Até que, um dia, começou a sentir fraqueza e mal-estar. Em poucas horas, já não conseguia ficar em pé. “Mediram minha glicemia e estava 580”, lembra ela, que chegou a ficar internada por 15 dias devido a um quadro de cetoacidose diabética, uma complicação marcada por um aumento descontrolado no nível de glicose e acidez no sangue.

Uma das doenças crônicas de maior impacto no sistema de saúde, o diabetes tem crescido no país e no mundo. Dados da pesquisa Vigitel, do Ministério da Saúde, mostram aumento de 65% em 15 anos na taxa de adultos brasileiros diabéticos -em 2021, eram 9,1% neste grupo, contra 5,5% em 2006.

Especialistas atribuem a mudança a uma piora em fatores de risco, com aumento do sedentarismo e obesidade.

Em meio a esse avanço, casos de diabetes tipo 2, que respondem por 90% do total dos casos de diabetes e têm maior prevalência entre idosos, já começam a aparecer também em faixas etárias mais jovens, segundo médicos e entidades que acompanham o tema. Em geral, o diagnóstico desse tipo da doença, mais associado a fatores ambientais e marcado por uma resistência do organismo à ação da insulina, é mais comum após os 40 anos. Já os casos de diabetes tipo 1, doença autoimune que ocorre quando o pâncreas não consegue produzir suficientemente esse hormônio, são mais associados a grupos mais jovens.

“Quando se fala em diabetes, geralmente vem à cabeça que o tipo 1 é mais de criança e adolescente, e o tipo 2 de pessoas mais velhas. No entanto, temos visto que o tipo 2 tem aparecido em adolescentes e adultos jovens”, diz Fernando Valente, professor de endocrinologia da Faculdade de Medicina do ABC e diretor da Sociedade Brasileira de Diabetes. “Está cada vez mais precoce e um dos motivos é a expansão da obesidade, que está acometendo mais cedo a vida das pessoas.”

Paulo Miranda, presidente da Sbem (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia), também alerta para casos mais precoces de DM2, como é a sigla para a doença. Uma situação que tem ocorrido com mais força ao longo da última década em alguns países, como os Estados Unidos (onde há alta prevalência de obesidade), mas que, pouco a pouco, começa a chamar a atenção também no Brasil.

“Observamos no dia a dia um aumento gradativo do número de pessoas com diabetes, em especial o tipo 2, em idades mais jovens. Tem sido mais comum o diagnóstico antes dos 30 anos, apesar de o maior risco de desenvolver o tipo 2 ocorrer nas pessoas com mais de 60 anos”, afirma Miranda.

Ainda não há dados consolidados sobre o tema no país. Estudos internacionais, porém, reforçam o alerta. Pesquisa publicada em dezembro no The BMJ com base em dados do estudo Carga Global de Doenças apontou que a taxa de diabetes tipo 2 entre adolescentes e adultos jovens (de 15 a 39 anos) cresceu 56% em todo o mundo entre 1990 e 2019 -passou de 117 casos a cada 100 mil pessoas para 183 a cada 100 mil.

Crésio Alves, chefe do serviço de endocrinologia pediátrica do Hospital das Clínicas da UFBA e presidente do departamento de endocrinologia da Sociedade Brasileira de Pediatria, lembra que, nos EUA, casos de diabetes tipo 2 em ambulatórios que atendem pacientes já chegam a quase 30%.

“No Brasil, ainda é muito pequena essa proporção. Mas os pediatras, que até pouco tempo nunca diagnosticavam adolescentes com diabetes tipo 2, estão começando a ver”, afirma. Dados do estudo Erica, feito com adolescentes em idade escolar entre 2013 e 2014, encontrou prevalência de 3,3% de diabetes tipo 2 nesse grupo e 22% com pré-diabetes -o equivalente a cerca de 214 mil adolescentes com DM2 e 1,46 milhão com pré-diabetes. Ainda não há dados atualizados para comparação.

Para Alves, apesar de ainda mais rara, a situação serve como alerta para a importância de adotar políticas para tentar frear o avanço da obesidade no país.

“O adulto com diabetes tipo 2 tem evolução mais arrastada. Existem milhares de brasileiros que têm e nem sabem, porque são praticamente assintomáticos. Já a evolução do diabetes tipo 2 em adolescentes é mais rápida e mais agressiva”, diz o médico, para quem o cenário preocupa devido ao risco maior de complicações. “Por isso temos que estar mais atentos em prevenir e controlar a obesidade.”

Atualmente, a estimativa é que ao menos 15,7 milhões de brasileiros vivam com diabetes, segundo o Atlas Diabetes. No mundo, são 529 milhões de pessoas com a doença, número que deve dobrar até 2050, de acordo com estudo publicado na revista The Lancet em junho.

Pesam nessa conta o envelhecimento da população, a redução da prática de atividades físicas e o avanço no índice de pessoas com excesso de peso, problema que já afeta 57% dos brasileiros e que tem levado a uma piora geral nos índices de doenças crônicas.

No caso do diabetes, porém, os impactos não ocorrem apenas no tipo 2 da doença.

“Estudos mostram que a prevalência de excesso de peso também está aumentando na população com diabetes tipo 1”, afirma Valente, da SBD. “E aí entra na confusão de diagnóstico etiológico, porque o tipo 2 já aparece mais cedo, e nisso se parece com o tipo 1 [geralmente diagnosticado em crianças e adolescentes], enquanto o paciente com tipo 1 está com excesso de peso, e aí parece com o tipo 2.”

Outro fator é a maior dificuldade no tratamento que, nos casos de diabetes tipo 1, exige necessariamente a reposição de insulina -o que, com o excesso de peso, pode levar à necessidade de doses mais altas.

Já em pacientes com diabetes tipo 2, o tratamento é feito com medicamentos orais -alguns hoje voltados também à perda de peso, mas ainda com restrições de acesso devido ao custo alto, lembra Valente.

Mudanças no estilo de vida, com prática de exercícios e maior controle da alimentação, também são recomendados.
Para a operadora de caixa Sara Nascimento, 41, diagnosticada com diabetes tipo 2 aos 32 anos, esse é o principal desafio. “Sempre gostei muito de doces, massas, tinha alimentação desregrada, e descobrir o diabetes foi bem complicado.”

Hoje, ela conta que vive entre altos e baixos em relação ao controle da doença. “Quando estou fazendo dieta e caminhadas, sinto que consigo controlar melhor. Mas, com criança pequena em casa, fazer exercício é mais difícil, e já fico 10 horas fora trabalhando.”

As mudanças na rotina e desafios após o diagnóstico foram o que levaram Beatriz, 32, a criar o perfil Convivendo com o Diabetes para falar do dia a dia de quem vive com a doença.
Logo após a internação, ela conta que chegou a ser diagnosticada com diabetes tipo 1. Exames feitos logo depois, no entanto, mostraram que se tratava de diabetes tipo 2, que, além da maior associação com fatores externos, também tem a história familiar como fator de risco importante.

“Tive várias fases ao longo desses oito anos de diagnóstico. Logo no início, o sofrimento foi saber que tinha uma doença que não tem cura. Isso impacta muito no psicológico. Pensava: será que mesmo me cuidando vou ter saúde e conseguir prevenir as complicações?”, relata ela, cujo pai, que já morreu, teve perda de visão e precisou de hemodiálise devido ao diabetes.

“Aos poucos fui perdendo o medo de falar sobre diabetes e a aceitar o fato de que eu tinha algo que não tem cura, mas que posso controlar.”

Para Beatriz, que hoje usa a página para dar apoio a outros pacientes, um dos principais desafios atuais é superar o estigma ligado ao diabetes tipo 2.

“Frequentemente tratam como se a pessoa buscou isso e não se cuidou, mas ninguém quer ter uma doença. E aí a pessoa se esconde, não fala que tem diabetes e isso prejudica muito a adesão ao tratamento.”

O mesmo ocorre com a obesidade. “Mas é uma doença crônica como o diabetes, e temos que ter o mesmo olhar.”

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