Brasil tem menor número de homicídios desde 2011, mas 5 mortes por hora

O Brasil teve, em 2023, queda pelo terceiro ano seguido no número de homicídios, segundo o Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgado nesta quinta-feira, 18. Com isso, o País chegou ao menor patamar desde que a série histórica começou, em 2011, além de ser a primeira vez nesse período em que foram contabilizados menos de 47 mil óbitos.

 

Foram 46.328 homicídios no ano passado no Brasil, taxa de 22,8 casos para cada 100 mil habitantes. Isso equivale a uma queda de 3,4% ante o indicador do mesmo período de 2022.

Por hora, a média é de 5 assassinatos no Brasil. O número, apesar da redução, ainda é considerado mais alto não só do que a média mundial, mas em relação a outros países da América Latina.

Em meio a esse cenário, especialistas reforçam a necessidade de medidas focadas em rotas do narcotráfico – que reúnem algumas das cidades mais violentas – e em excessos cometidos pela polícia.

“O Brasil ainda continua respondendo por 10% de todos os homicídios do planeta e, em números absolutos, é o país que mais mata”, afirma ao Estadão Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum. Diante disso, continua ele, tem um caminho mais longo a ser percorrido que o de outros países.

Os Estados que reúnem as maiores taxas são Amapá (69,9) e Bahia (46,5), onde, segundo especialistas, a atuação mais violenta da polícia se soma à forte presença do crime organizado para consolidar novas rotas do tráfico – Primeiro Comando da Capital (PCC) e Comando Vermelho (CV) são as principais facções do País.

Já os menores índices de homicídios em 2023 foram os de São Paulo (7,8) e Santa Catarina (8,9). O maior recuo em números percentuais foi em Rondônia (-14,2%), ainda que o Estado siga com taxa elevada (29,2).

Ocorreu em piora seis Estados: Alagoas, Minas Gerais, Mato Grosso, Pernambuco, Mato Grosso do Sul e Amapá, com destaque para os dois últimos. Ainda assim, diferentemente do balanço do ano passado, agora houve queda nos indicadores em todas as regiões.

Os casos aqui descritos como homicídios correspondem à contabilização de mortes violentas intencionais (MVI), criado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Considerado o principal indicador para aferir os níveis de violência do Brasil, ele agrega casos de homicídio doloso, latrocínio, lesão corporal seguida de morte e mortes decorrentes de intervenções policiais.

A taxa de mortes violentas intencionais no País, mesmo com as quedas recentes, é quase quatro vezes maior do que a taxa mundial de homicídios – de 5,8 para cada 100 mil habitantes, segundo dados reunidos pelas Nações Unidas (ONU).

“A boa notícia é que na maior parte dos países as mortes vêm caindo, e entre as grandes causas, há um componente demográfico importante, já que a população está envelhecendo”, afirma Lima. Historicamente, camadas mais jovens concentram a maior parcela de mortes violentas, sobretudo na população negra.

“O Brasil está conseguindo ter redução maior do que a média da região. Isso é notícia boa, mas insuficiente, porque nossa taxa de mortes violentas, de 22,8, é 18,8% maior do que a média regional”, afirma.

Por que os homicídios não caem ainda mais no País?

Os pesquisadores do Fórum apontam dois motivos principais que impedem que a taxa de homicídios diminua de forma ainda mais acentuada no País: o crime organizado, que disputa algumas regiões, e a atuação das polícias, com taxas elevadas em Estados como Bahia e Rio de Janeiro.

“Essa influência da demografia é constrangida por variáveis locais e regionais, que, na América Latina, tem a ver, basicamente, com as dinâmicas do crime organizado em torno do narcotráfico e do tráfico de armas. E tem muito das respostas das políticas públicas, a forma como as polícias atuam na região”, aponta Renato.

Conforme o Estadão tem mostrado, na série de reportagens (In)Segurança Pública, as facções criminosas têm se fortalecido no País, com sequestro de contratos do poder público, diversificação das estratégias para lavar dinheiro e busca de novos caminhos para a droga.

“O Brasil tem tudo para se transformar num narcoestado”, afirmou Wálter Maierovitch em entrevista ao Estadão em abril. Para ele, ao se infiltrar em estruturas do Estado – como foi o caso dos contratos de ônibus em São Paulo – o crime organizado ganha perfil de máfia no Brasil.

Os dados do Fórum indicam ainda que os óbitos por policiais agora ocupam parcela maior do total de mortes violentas intencionais. “Em 2018, por volta de 8,1% de todas as mortes violentas intencionais eram de mortes pela polícia”, destaca Lima.

“Em 2022, essa parcela pulou para 13,8%, mostrando que a participação das polícias na explicação da violência é muito grande”, acrescenta o presidente do Fórum.

Conforme dados do anuário, Santana (AP) lidera a lista das cidades com mais de 100 mil habitantes com maior taxa de homicídios em 2023. O indicador da cidade chegou a 92,9, alta de 88,2% na comparação com o número do ano anterior (49,4). Ao todo, 27% das mortes violentas registradas no ano passado foram provocadas por policiais.

A cidade, considerada estratégica para o narcotráfico por conta da existência de contar um porto bastante influente na região, é vista como ponto de disputa entre as maiores facções do País, que se uniram com grupos locais para tentar ganhar poder na região.

“O Comando Vermelho se uniu com os Amigos para Sempre (APS), que de certa forma é minoria no Estado, mas está em processo de expansão e disputa. E o PCC se juntou com a Família Terror do Amapá, que é a majoritária”, afirma ao Estadão Thiago Sabino, pesquisador do Instituto Mãe Crioula.

Por conta do porto, Santana passou a ser palco frequente dessa disputa, em dinâmica que se sobrepõe inclusive a grandes centros urbanos do Amapá. “A hipótese é que em Santana tem acontecido até maior disputa territorial do que em Macapá”, aponta Sabino.

“São conflitos mais localizados em pontos estratégicos para o negócio do narcotráfico, do mundo do tráfico transnacional, principalmente associado à questão dos portos e aeroportos, além de fronteiras”, afirma Renato Sérgio de Lima.

Como já mostrou o Estadão, estudos indicam que são as disputas entre facções que costumam controlar, em grande medida, os índices de homicídio no Brasil. Prova disso é que o pico do indicador foi atingido em 2017, quando houve 64 mil homicídios. Na época, houve ruptura entre PCC e Comando Vermelho, com reflexos nas ruas e em massacres em presídios.

Conforme o Anuário, depois de Santana, também estão na lista das cidades mais violentas de 2023 os municípios de Camaçari (BA), com taxa de 90,6, e Jequié (BA), com taxa de 84,4. Este último tem também o maior índice de mortes por policiais (46,6) – mais da metade das mortes violentas intencionais ocorridas por lá no último ano foram cometidas por policiais (55,2%).

“Ou seja, se a polícia atuasse com um padrão que não resultasse em tantas mortes, a taxa de Jequié seria cortada mais do que a metade”, afirma Lima. No caso de Angra dos Reis, por exemplo, que atualmente é a segunda cidade com a maior taxa de mortes em decorrência de intervenção policial, 63,4% das mortes violentas têm esse perfil.

Em nota, a Secretaria da Segurança Pública da Bahia afirmou serem “constantes os investimentos em tecnologia, inteligência, equipamentos, capacitação e reforço dos efetivos, com o objetivo de combater as organizações criminosas”. “As forças de segurança atuam com rigor, dentro da legalidade e com firmeza contra grupos criminosos envolvidos com tráficos de drogas e armas, homicídios, roubos e corrupção de menores”, disse.

Conforme a pasta, o Estado apresenta redução de 13% nas mortes violentas no primeiro semestre de 2024. “Os meses de maio e junho deste ano foram os que tiveram menos mortes violentas desde a série histórica, iniciada em 2012”, disse. “Já nos últimos 18 meses, as ações de inteligência e repressão qualificada resultaram nas prisões de 27 mil criminosos, na localização de 88 líderes de facções, e nas apreensões de 9 mil armas de fogo, entre elas 95 fuzis.”

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