(FOLHAPRESS) – Yascha Mounk é um otimista. Ao contrário de tantos de seus pares e a despeito do avanço da ultradireita etnonacionalista em muitos países, o autor de “O Povo contra a Democracia” defende que as democracias diversificadas -em termos de cultura, religião, etnia, sexualidade e gênero- vêm prosperando ao redor do mundo.
Esse é o argumento que guia o seu livro mais recente, “O Grande Experimento”, que a Companhia das Letras lança no início de fevereiro. Nele, o cientista político e professor associado da Universidade Johns Hopkins apresenta os fatores que, na sua visão, levaram ao fracasso de sociedades diversificadas no passado.
E lista os elementos que supostamente permitem a elas crescer, uma equação que para ele implica a existência de um sistema democrático liberal, baseado nos valores da liberdade individual e da autodeterminação coletiva.
Um dos momentos da obra que deve gerar mais debate é quando Mounk afirma que parte da esquerda, ao defender a ideia de que a raça sempre foi e sempre será o atributo mais importante de cada ser humano, acaba por adotar a mesma concepção “essencialista” de identidade presente na ultradireita racista e xenofóbica.
É nesse sentido que, ao ser questionado pela Folha sobre como vê a situação da diversidade no Brasil, ele diz lamentar que o país esteja se aproximando da concepção de identidade que vigora nos Estados Unidos, onde há “quatro ou cinco grupos distintos que se definem primariamente por suas raças”.
“O Brasil se enxergou por muito tempo como uma espécie de ‘democracia racial’, em que as pessoas não são definidas por sua cor de pele”, diz ele, referindo-se à teoria de que a miscigenação entre brancos, negros e índios ocorrida durante a colonização teria diluído antagonismos raciais -uma concepção que para muitos ativistas ofuscou por um longo período a realidade de discriminação contra negros no país.
“É claro que isso obscureceu algumas das injustiças da história brasileira, e como elas continuam a moldar o país hoje”, diz Mounk. “Mas acho que seria um grande erro desistir completamente desse ideal.”
Leia abaixo os principais pontos da entrevista.
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BRASIL E O MITO DA DEMOCRACIA RACIAL
Não é por acaso que, em média, os brasileiros de pele mais escura são menos abastados e têm menos acesso ao poder. Portanto, acho que o Brasil precisa reconhecer algumas das deficiências dessa noção [de democracia racial] e garantir o tipo de crescimento econômico que permita a mobilidade social e contribua para reverter parte dessa hierarquia histórica.
Ao mesmo tempo, acredito que seria um grande erro, como alguns no Brasil parecem querer fazer, abandonar completamente esse ideal e caminhar em direção a uma concepção americana de identidade. Impressiona-me o fato de que, embora o Brasil enfrente desafios em alguns aspectos maiores do que os EUA, sua sociedade é muito mais integrada.
OTIMISMO
Existe uma estranha constelação de diferentes forças políticas sendo excessivamente negativas sobre como a imigração ocorre na prática.
À direita, muitos políticos gostam de dizer que os imigrantes são de alguma forma inferiores, que não conseguem se integrar economicamente, que formarão uma espécie de classe subalterna permanente.
Mas muitos dos que estão mais à esquerda também enfatizam o quanto os imigrantes estão se saindo mal. Eles atribuem isso ao racismo e a outras formas de injustiça, mas na verdade compartilham esse pessimismo.
Por isso que é tão importante destacar que, na maioria dos países do mundo, imigrantes continuam a ser muito bem-sucedidos. Nos EUA, por exemplo, pessoas que vêm de todo o mundo hoje experimentam uma mobilidade social em velocidade e taxa quase iguais às dos irlandeses-americanos e ítalo-americanos de cem anos atrás.
ESQUERDA, DIREITA E POLÍTICA IDENTITÁRIA
Existem grupos diferentes que, aparentemente, não têm muito em comum, mas que acreditam que nossa identidade mais profunda seja determinada por cor da pele, gênero, orientação sexual.
Uma versão disso existe na direita e afirma que uma nação como os EUA é historicamente branca e, portanto, só os brancos são seus verdadeiros membros.
Mas outra corrente se tornou comum em partes da esquerda e, de acordo com essa ideia, se você tiver uma origem étnica ou um gênero diferente do meu, eu jamais serei capaz de compreendê-lo. Por isso, a única maneira de haver solidariedade política é eu abdicar do meu julgamento político em seu favor, e, de modo geral, construir uma sociedade em que a forma como somos tratados e todos os nossos direitos e deveres dependerão sempre do grupo em nascemos.
Acho que ambas as visões renunciam à ideia do tipo de sociedade em que eu gostaria de viver; em que a solidariedade é possível independentemente de raça, gênero e origem étnica e na qual, quando há injustiça, vou querer corrigir isso por causa dos meus próprios valores.
LÍDERES ANTI-IMIGRAÇÃO COM ORIGENS IMIGRANTES
Não acho que isso devesse ser particularmente intrigante, ainda mais para um brasileiro. E entendo que isso tem a ver com um atalho pouco saudável que acabou sendo adotado por muitos analistas e jornalistas, que é assumir que, só porque alguém se encaixa em uma categoria de identidade, ele terá a mesma visão de mundo que seus pares.
É excessivamente simplista pensar que a maioria das pessoas seja contra os imigrantes. Certamente, existem racistas no Reino Unido que provavelmente não votam no Rishi Sunak [primeiro-ministro britânico e descendente de indianos] porque, para eles, qualquer pessoa não branca é inaceitável. Mas essa não é a opinião predominante quando se fala em imigração.
A maioria dos que veem a imigração mais criticamente entende que muitos imigrantes fizeram contribuições significativas para o país e não acham que ser branco é um pré-requisito para ser britânico.
Mas se preocupam, correta ou talvez erroneamente, com quantas pessoas estão chegando, que pressão isso está pondo sobre os serviços públicos, e como isso está levando a uma rápida mudança cultural. E, portanto, ficam perfeitamente felizes em votar em alguém como Sunak, que promete limitar a imigração.
REDES SOCIAIS E FRAGMENTAÇÃO POLÍTICA
Quando a internet foi inventada, achávamos que ela geraria mais compreensão e empatia. Mas o que aconteceu foi que a maioria das pessoas procurou outras que fossem o mais parecidas possível com elas. E isso levou à criação de tribos baseadas em identidade e em ideologia; em gente que diz que, se alguém não compartilha exatamente as mesmas opiniões políticas que eu sobre determinada questão, então esse alguém é mau.
Isso sobrecarrega as democracias e dificulta que boa parte da população se sinta representada por instituições e partidos. A sociedade não só se polarizou como também se fragmentou demais.
O melhor jeito de enfrentar esse tipo de problema é guiar as pessoas de volta a algum tipo de coletividade. Esta é uma das razões pelas quais acabo defendendo uma forma inclusiva de patriotismo, porque ela pode contrabalançar a fragmentação.
Sou um tanto cético de que algoritmos realmente estejam no cerne dessa questão. Eles certamente a exacerbaram, mas o problema fundamental é nossa própria psicologia. O YouTube ou o TikTok não se propuseram a polarizar o mundo, a semear o máximo de confusão e caos possível. Eles simplesmente buscaram descobrir o que nos mantém engajados. E, quando nos enxergamos como parte de uma tribo, isso nos mantém engajados.
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