IGOR GIELOW (FOLHAPRESS) – Após anos de uma paz frágil, o Azerbaijão rompeu o cessar-fogo vigente desde 2020 e atacou nesta terça (19) Nagorno-Karabakh, um enclave armênio étnico em seu território que já foi objeto de duas sangrentas guerras desde o fim da União Soviética que ambos integravam.
Segundo o Ministério da Defesa de Baku, o objetivo é “desarmar e garantir a retirada de formações das Forças Armadas da Armênia de nossos territórios, neutralizar sua infraestrutura miliar e restituir a ordem constitucional da República do Azerbaijão”. Segundo o governo local, 2 pessoas morreram e 11, ficaram feridas.
Com o eufemismo típico dessas situações, os azeris disseram ter lançado “atividades antiterroristas”, usando mísseis de precisão e bombardeios. Na capital regional, Stepanakert, explosões foram ouvidas e divulgadas em vídeos de redes sociais.
O chefe da diplomacia da União Europeia, Josep Borrell, pediu o fim dos ataques, que ocorrem no dia de abertura da Assembleia-Geral da ONU. Em Nova York, diplomatas franceses disseram ser necessária uma “resposta dura” ao ataque. A Rússia, mediadora do cessar-fogo de 2020 na região, está em contato com os dois lados.
Sem muita sutileza, Baku afirmou que o corredor ligando Nagorno-Karabakh à Armênia está aberto, e todos os civis que quiserem deixar o território são livres para fazê-lo. Ierevan acusa os vizinhos de genocídio e limpeza étnica, palavras com forte eco na região devido ao massacre de armênios em 1915 pelos otomanos -e os hoje turcos são aliados dos azeris.
A crise em Nagorno-Karabakh é um cadáver insepulto desde o fim do império comunista, em 1991. Quase 800 mil armênios étnicos, em sua maioria, ficaram para trás no território encravado no Azerbaijão. Baku também tem uma outra fatia de seu país separada, Nakhchevan, espremida entre Armênia, Irã e Turquia.
De 1992 a 1994, uma guerra foi travada, com a Armênia ganhando territórios em volta de Nagorno-Karabakh, que serviam de tampão entre a região e as forças azeris. Em 2020, com o apoio político e militar dos turcos, Baku voltou ao ataque e recuperou boa parte dessas áreas, cercando novamente o encrave armênio de 120 mil pessoas.
Um cessar-fogo foi acertado por Vladimir Putin. Desde que era um império e ao longo dos anos soviéticos, Moscou sempre foi um ator central na região, que considera sua fronteira sul contra invasões. Só que a paz remanescente era precária.
Nos últimos meses, o governo armênio se queixou de que a força de paz russa para manter a estabilidade na região era muito frágil, e o chamado corredor de Lachin, ligando seu território a Stepanakert, foi fechado diversas vezes.
Na semana passada, ele foi reaberto, e os armênios iniciaram um exercício militar de simulações de forças de paz com os Estados Unidos, um sinal tanto para Moscou como para Baku. Inútil, ao que tudo indica, e piorando a já delicada relação entre o premiê Nikol Pashinyan e Moscou, onde ele não é exatamente bem visto.
Nesta terça, o governo armênio pediu que os russos impeçam o avanço de tropas azeris. O Ministério das Relações Exteriores em Moscou só disse que a ação foi informada à seu comando na região poucos minutos antes de ser iniciada.
Até aqui, Ierevan afirma que não houve ameaças contra suas fronteiras, situação que teria implicações grandes, dado que o país tem a maior base militar russa no exterior. O governo também diz que não tinha unidades armadas em Nagorno-Karabakh, o que Baku contesta e é impossível de aferir de forma independente a esta altura.
O mais relevante é o tom dos azeris, que parecem decididos a encerrar o governo autônomo dos armênios étnicos. “O Azerbaijão iniciou um ataque maciço com artilharia”, escreveu no X (ex-Twitter) o bilionário Ruben Varnadyam, que já comandou o território.
O Azerbaijão diz que iniciou o ataque devido à morte de seis cidadãos seus por minas terrestres em incidentes separados, e culpou “grupos armados ilegais armênios”. Segundo o Observatório dos Direitos Humanos em Stepanakert, há “diversas vítimas” civis na cidade, e os azeris estão iniciando uma invasão militar total.
Se houver uma escalada maior no conflito, as implicações geopolíticas podem ser grandes. A Rússia está em um momento de fragilidade na sua fronteira do Cáucaso devido ao foco na Guerra da Ucrânia, e a Turquia, fiadora do Azerbaijão, pode tomar vantagem disso.
Por outro lado, Moscou parece querer redefinir sua relação com Ierevan, tendo inclusive se aproximado de Baku desde o congelamento do conflito em 2020, e aí quem fica a perigo é o governo de Pashinyan. Os Estados Unidos e a Otan tendem a se beneficiar de qualquer problema que a Rússia tiver, mas a presença da Turquia, membro do clube militar, na equação traz temores acerca do envolvimento de Ancara na crise.
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