SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em 12 meses desde o maior escândalo contábil da história corporativa do país, a quase centenária Americanas se tornou uma empresa menor. Fechou uma loja a cada três dias, demitiu um quarto da sua equipe, deixou a vice-liderança entre as empresas mais lembradas pelo internauta na hora das compras para ocupar o quinto lugar, atrás da novata Shopee, além de ver o seu valor de mercado desabar de quase R$ 11 bilhões para R$ 785 milhões.
Ainda não se sabe qual foi o seu desempenho financeiro em 2023, uma vez que a varejista -que entrou em recuperação judicial poucos dias depois de apresentar “inconsistências contábeis” da ordem de R$ 20 bilhões em 11 de janeiro do ano passado- não divulgou os resultados trimestrais do ano passado.
Mas, a julgar pelos números de 2022, reapresentados no último mês de novembro, vai demorar para a empresa apresentar um lucro real: a Americanas fechou aquele exercício com um prejuízo de quase R$ 13 bilhões, um patrimônio líquido negativo de R$ 26,7 bilhões, além de uma dívida líquida de R$ 26,3 bilhões.
A empresa afirma que vai conseguir gerar caixa em 2025, mas especialistas em varejo ouvidos pela Folha acreditam que essa é uma missão quase impossível.
“Ninguém sabe, realmente, se a antiga Americanas dava lucro”, diz o sócio da consultoria Performa Partners, André Pimentel. Os números do balanço de 2021, que apresentavam ganhos de R$ 544 milhões, por exemplo, foram revistos para estampar um prejuízo de R$ 6,2 bilhões.
Em entrevista à Folha em novembro, o presidente da Americanas, Leonardo Coelho, afirmou que não podia precisar quando as fraudes contábeis começaram, mas havia números adulterados pelo menos desde 2015, ou seja, em oito exercícios anteriores.
Agora, a “nova Americanas” é uma empresa mais voltada a produtos de conveniência, como guloseimas, além de itens de limpeza e brinquedos, deixando os itens de maior valor agregado como linha branca, notebook e smartphones para os varejistas parceiros do seu marketplace , os “sellers”.
“Mas é preciso levar em conta que os consumidores não têm a mesma confiança no site como tinham antes”, diz José Daronco, analista da Suno Research. “Isso impacta diretamente o volume de vendas.”
Pimentel levanta outra questão: “Será que a Americanas um dia vai dar lucro, se ancorando na venda de Bis e batatinha”. Na opinião do consultor -que trabalhou na reestruturação da Americanas no fim dos anos 1990, quando estava na Galeazzi & Associados e, antes disso, atuou na PwC, auditoria da Americanas quando estourou a crise– a tendência é que a Americanas “desidrate” de agora em diante.
De acordo com o último relatório de acompanhamento mensal dos administradores judiciais da varejista, com dados de 31 de dezembro de 2023, a Americanas soma 32.486 colaboradores sob o regime CLT. Em 12 de janeiro, dia seguinte ao anúncio das “inconsistências contábeis”, a empresa somava 43.123 colaboradores, o que representa uma redução de 25%.
Em número de lojas, eram 1.880 em janeiro e hoje são 1.754. O fechamento de 126 pontos de venda em um ano representa cerca de uma loja encerrada a cada três dias. A medida é ruim não só para funcionários, como para fornecedores, que perdem pontos de venda e promoção de produtos.
“Essa velocidade no fechamento de lojas vai ser muito maior a partir de agora”, afirma Pimentel. Na opinião do consultor, a Americanas teve pressa em aprovar o plano de recuperação judicial em 19 de dezembro, às vésperas do recesso do judiciário, para conter as contingências na Justiça, uma vez que o acordo impôs aos credores a cláusula de não litigância -ou seja, ninguém pode processar a empresa.
“Agora vem a realidade: um fechamento dramático no número de lojas, de centros de distribuição, com muito mais demissões. É para isso que vão servir os R$ 10 bilhões que ainda serão aportados pelos principais acionistas”, diz ele.
O plano de recuperação judicial inclui o aumento de capital da companhia via emissões de novas ações. Serão R$ 12 bilhões para os acionistas controladores -o trio de bilionários Jorge Paulo Lemann, Beto Sicupira e Marcel Telles- e até R$ 12 bilhões para os bancos, que converterão a maior parte da dívida em ações, se tornando sócios da varejista.
“Mas o trio já investiu R$ 2 bilhões via empréstimo DIP”, diz Pimentel, referindo-se ao modelo de empréstimo usado em recuperações judiciais (do inglês debtor-in-possesion financing, ou “financiamento do devedor em posse”). “A empresa só conseguiu continuar operando até agora por conta desse capital.”
Procurada, a Americanas respondeu, via assessoria de imprensa, que a implementação do plano de recuperação judicial vai permitir a sua “reconstrução operacional e financeira, com retomada de crescimento e impacto imediato na preservação de milhares de empregos diretos e indiretos gerados em todo o país”.
A companhia pretende nos próximos anos “continuar a ser o operador de varejo mais simples e diverso do país, com presença em todo o Brasil, suporte de uma robusta malha logística, um marketplace que privilegia a experiência de consumidores e sellers e o relacionamento próximo com seus milhares de clientes.”