‘Alan Wake 2’ domina o medo para criar obra-prima dos videogames

FOLHAPRESS – O medo é a matéria-prima de “Alan Wake 2”. O sentimento funciona como principal força narrativa da sequência de “Alan Wake”, lançado em 2010, e representa o maior obstáculo que o jogador deve superar para avançar na história. Além disso, é vencendo ele que a Remedy Entertainment conseguiu criar uma obra-prima dos videogames.

Ao contrário de outras sequências de títulos com bom desempenho comercial, “Alan Wake 2” não tem medo de ousar. É verdade que os mais de 13 anos de distância entre um jogo e outro ajudam a dirimir possíveis críticas de fãs e até obrigam os desenvolvedores a atualizar aspectos datados da jogabilidade.

Ainda assim, o medo de não repetir o sucesso do passado poderia ser um limitador para a criatividade de Sam Lake, diretor criativo da Remedy e que trabalhou como diretor e roteirista do novo game. O produto final é a prova de que isso não aconteceu.

Com um formato inovador, “Alan Wake 2” mistura e faz referências a diferentes formas de arte -como literatura, cinema, música, poesia, fotografia e, claro, videogames-. A experiência propicia ao jogador uma aventura aterrorizante na mente de um artista obcecado por sua obra e perturbado pelas consequências que ela pode ter para o seu entorno, com um claro apelo metalinguístico.

O título retoma a história do escritor Alan Wake (interpretado por Ilkka Villi), que, no fim do primeiro game, ficou preso em uma dimensão sombria (chamada de “Dark Place”) para salvar sua mulher, Alice -a referência à personagem principal dos livros de Lewis Carroll não é uma coincidência.

Treze anos depois do seu desaparecimento, uma nova onda de crimes e assassinatos misteriosos aterroriza a pequena cidade de Bright Falls, no noroeste dos EUA. A investigação fica por conta da nova protagonista, a agente do FBI Saga Anderson (Melanie Liburd) e de seu parceiro Alex Casey (Sam Lake).

Apesar de inspirada em detetives famosos da literatura como Sherlock Holmes, de Sir Arthur Conan Doyle, e Hercule Poirot, de Agatha Christie, Saga foge dos arquétipos tradicionais das histórias de terror. Mulher negra que se divide entre o trabalho policial e a criação de uma filha -perfil raramente exploradas em games de grande orçamento-, a personagem dá uma perspectiva inovadora não só para a franquia da Remedy, mas para os videogames em geral.

Alternando entre o controle dela e de Alan Wake, o jogador precisa desvendar uma série de mistérios sobrenaturais em uma história com inspiração em séries como “Twin Peaks”, de David Lynch, “True Detective” e “Além da Imaginação”.

A proliferação de acontecimentos aparentemente inexplicáveis resulta em um permanente sentimento de confusão no jogador. Ao contrário do que possa parecer, a sensação é intencional e ressona com a ambientação profundamente escura dos cenários do jogo. A ideia é que o medo de ser surpreendido esteja sempre presente.

Assim como os protagonistas usam uma lanterna para achar seu caminho nas florestas do estado de Washington ou no “Dark Place”, o jogador conta com ferramentas para iluminar a narrativa.

Ao longo da aventura, é possível montar com a ajuda de Saga um quadro como os de filmes de detetive, com polaroides e fios de barbante que ligam os principais acontecimentos e personagens. A mecânica funciona como um quebra-cabeça e é uma solução inteligente para manter o jogador a par dos acontecimentos de uma forma orgânica, mesmo com um enredo intencionalmente intrincado.

O game alterna momentos curtos de ação com longas sequências de exploração e solução de quebra-cabeças. Ainda assim, consegue manter um permanente estado de tensão. Batalhas épicas, no entanto, são raras, o que pode frustrar jogadores que buscam uma experiência mais focada no combate.

De forma geral, a jogabilidade é similar à dos primeiros jogos da série “Resident Evil” -em especial, “Resident Evil 4”. Controlados em uma visão de terceira pessoa, os protagonistas têm à sua disposição um arsenal limitado de armas e munições. Os inimigos são lentos, mas difíceis de matar, e a busca por recursos acaba inevitavelmente levando o jogador a correr mais riscos.

As principais diferenças em relação aos jogos de terror da Capcom estão na pouca mobilidade dos protagonistas e na necessidade de enfraquecer os inimigos com um raio concentrado de luz da lanterna que eles carregam, mecânica herdada do primeiro jogo da franquia.

Ainda que o combate em “Alan Wake 2” seja mais travado e menos interessante do que o de outros jogos do gênero, ele se encaixa bem na narrativa ao não fortalecer demais os protagonistas, o que ajuda a manter o tom do roteiro -esse sim o ponto central do jogo.

Também colabora nisso a apresentação impecável, que inova ao misturar gráficos de última geração com imagens filmadas, criando uma intencional confusão entre o que é real e o que é virtual -paralela à vivida pelos personagens do game, entre o que é real e o que é ficção.

A experiência só é atrapalhada por alguns pequenos bugs. Durante as quase 40 horas que levei para terminar o jogo no PlayStation 5, foi possível encontrar inimigos que travavam em determinados pontos do cenário e ícones no mapa de objetos colecionáveis que não existiam ou de portas trancadas que já haviam sido abertas. Ainda assim, nada que me fez perder progresso ou impediu o avanço na história.

Para a Remedy, “Alan Wake 2” é um corajoso passo na direção de formar seu “Universo Conectado”, que pretende interligar suas principais franquias, incluindo “Control”, “Quantum Break” e “Max Payne”, além do próprio “Alan Wake”.

Já para uma indústria de games, imersa em uma onda de demissões em massa, o jogo é uma lição sobre o nível de excelência que é possível atingir quando desenvolvedores competentes e com uma visão artística coerente não são tolhidos pelo medo de executivos inescrupulosos de não lucrarem tudo o que acham que podem com um jogo.

ALAN WAKE 2

Avaliação Ótimo
Onde PC, PlayStation 5 e Xbox Series X/S
Preço R$ 225 (PC), R$ 270,90 (consoles)
Classificação 18 anos
Desenvolvedora Remedy Entertainment
Publicadora Epic Games

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