(FOLHAPRESS) – Primeiros do país a concluir os três anos do ensino médio após a mudança curricular dessa etapa, 85% dos alunos entrevistados em uma pesquisa na rede estadual de São Paulo dizem não se sentir preparados para prestar o Enem e outros vestibulares depois de estudar no novo modelo.
Esse é um dos resultados de um estudo feito pela Repu (Rede Escola Pública e Universidade) e pelo Gepud (Grupo Escola Pública e Democracia).
Os grupos são formados por pesquisadores de diversas universidades públicas de São Paulo que acompanham há três anos a implementação do novo ensino médio nas rede estadual paulista -que conta com o maior número de matrículas e foi a primeira do país a adotar o modelo.
Foram ouvidos 696 estudantes concluintes do ensino médio de seis escolas estaduais, no período de 23 de outubro e 4 de novembro de 2023.
A lei do novo ensino médio, sancionada pelo governo Temer (MDB), estabeleceu que os alunos devem ter 3.000 horas de aulas ao longo dos três anos da etapa, sendo 1.800 (60%) comum a todos com as disciplinas tradicionais. As outras 1.200 horas (40%) são destinadas aos chamados itinerários formativos.
Segundo a pesquisa, 85% dos estudantes entrevistados disseram que a redução do tempo destinado para as disciplinas regulares fez com que eles não se sentissem preparados para fazer o Enem e outros vestibulares ou acreditar que podiam ingressar no ensino superior.
Como mostrou a Folha de S.Paulo, a nova organização da grade curricular do ensino médio em São Paulo deixou os alunos sem aulas de história, geografia, biologia, química e física no último ano dessa etapa de ensino no ano passado. Eles também só tinham duas aulas por semana de matemática e duas de português.
A redução das disciplinas comuns ocorreu para dar espaço às matérias criadas para os itinerários formativos -parte do currículo que, em tese, permite aos alunos optar por uma área do conhecimento para aprofundar os estudos. A pesquisa encontrou também que 64,5% dos estudantes entrevistados disseram não ter cursado o itinerário que escolheram.
“A nossa pesquisa acompanha esses alunos desde o início da implementação do novo currículo para observar como a política se traduz de fato no chão da escola. O que essa primeira turma nos mostra é que a política chegou à sala de aula sem garantir o que propôs: a oportunidade de escolha ao jovem e a maior conexão do conteúdo escolar com o projeto de vida do estudante”, diz Ana Paula Corti, uma das pesquisadoras responsáveis.
Corti lembra ainda que na última edição do Enem, realizada no fim do ano passado, São Paulo foi o estado com a segunda menor taxa de participação na prova -apenas 34% dos concluintes que estudaram em escola pública fizeram o exame.
“Os alunos deixaram de ter aula dos conteúdos que são cobrados em provas como o Enem, por isso, não se sentem preparados e consequentemente não vão fazer o exame. O novo ensino médio desmotivou esses jovens a entrar no ensino superior, a continuar estudando e também não trouxe perspectiva de encontrar um emprego melhor”, diz Márcia Jacomini, coordenadora da pesquisa, que é financiada pela Fapesp.
Os dados mostram ainda que 79,3% dos entrevistados afirmam acreditar que a redução das disciplinas comuns vai impactar negativamente as suas vidas. Uma das premissas do novo ensino médio é a de que os itinerários formativos permitiriam aos jovens antecipar a escolha profissional, escolhendo estudar a área que mais se aproxima do campo em que querem trabalhar.
No entanto, a pesquisa mostra que 60,2% dos alunos disseram não ter ficado satisfeitos com o itinerário que cursaram e 81,5% não aprovaram as disciplinas criadas para essa parte optativa do currículo. Conforme mostrou a Folha de S.Paulo, as escolas passaram a oferecer matérias com o nome de “brigadeiro gourmet” e “como se tornar um milionário”.
Os resultados também mostram que a maioria dos alunos não tem frequentado as aulas de expansão da carga horária do novo ensino médio -que é outra premissa da política, que defende a necessidade de mais horas de aula para os jovens. Como a lei permitiu que parte dessas aulas aconteça a distância, 61,8% estudantes afirmaram não ter participado das atividades.
“A ampliação da carga horária ocorre no papel, está prevista na lei, mas não está acontecendo de fato na escola. Não adianta ampliar as horas se isso não for feito com qualidade. Que aula é essa em que o aluno não tá na escola, não tem professor, não recebe orientação? Se não tiver qualidade, o estudante não vai estudar por mais horas”, diz Corti.
Após um acordo entre o governo Lula (PT) e a Câmara dos Deputados, mudanças no formato do novo ensino médio podem ser votadas nesta quarta (20). O principal impasse estava justamente na quantidade de horas destinadas aos itinerários formativos.
O ministro da educação, Camilo Santana, queria que a carga horária para as disciplinas comuns aumentasse de 1.800 horas para 2.400. Já o relator do projeto, o deputado Mendonça Filho (União-PE), defendia que as matérias comuns fossem limitadas a apenas 2.100 horas.
Ex-ministro da educação no governo Temer, Mendonça foi responsável pela aprovação da reforma do ensino médio que criou o modelo de itinerários e reduziu a carga de disciplinas tradicionais. Ele defende que o formato garante “maior conexão da formação escolar com o mundo do trabalho”.
Após negociação, o MEC aceitou reduzir para 1.800 horas a grade comum para casos em que o estudante opte por cursos técnicos profissionalizantes. Assim, os alunos poderão fazer curso técnico de enfermagem, por exemplo, de 1.200 horas -ao todo, são 3.000 horas anuais no ensino médio.
Nos demais itinerários formativos, que são as áreas que os estudantes têm que optar para se aprofundar no ensino médio, a obrigatoriedade permanece em 2.400 horas.
As reclamações dos estudantes e professores paulistas com o novo modelo de ensino médio levaram o governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) a antecipar mudanças nessa etapa -mesmo sem a definição das alterações pelo congresso e governo federal.
Em vez de ofertar 11 itinerários formativos, o governo decidiu que neste ano serão apenas dois (Exatas/Ciências da Natureza e Linguagens/Ciências Humanas). Também resolveu ampliar o número de aulas para disciplinas regulares.
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